FOLHA DE SP - 27/07/11
Indicadores do mercado indicam que finança ainda não acredita no buraco negro do calote dos EUA
OS DONOS do dinheiro grosso ainda não piscaram de medo da hipótese de os Estados Unidos darem calote.
Os bancos centrais das maiores economias, bancos privados, grandes fundos de investimento etc. continuavam ontem a emprestar dinheiro barato para os EUA.
Continuavam a comprar e a vender títulos da dívida dos EUA no mercado secundário como se nada estivesse ocorrendo (embora algo muito sério esteja acontecendo).
As taxas de juros mal se mexem. O governo federal americano ainda pode tomar empréstimos com dez anos de prazo pagando entre 2,9% e 3% ao ano (0,6% de juro real!).
O custo de fazer seguro financeiro contra um calote dos EUA mal se mexeu de um mês para cá. Pesquisas várias com administradores de dinheiro grosso indicam que larguíssima maioria não está mexendo em suas posições (nem aposta em alta nem em baixa importante do valor da dívida dos EUA).
Há algumas providências, decerto. Bancos empilham mais dinheiro no caixa. Trocam-se dólares por ienes e francos suíços. A incerteza maior tira dinheiro das Bolsas.
Não tem acontecido nada de dramático na finança mundial, faltando sete dias para o suposto calote. Difícil imaginar o que pode acontecer, porém. Para onde fugiriam os investidores? Não há mercado com a segurança e o tamanho do americano. A finança entraria numa dimensão paralela, num mundo bizarro como o dos buracos negros de documentário científico "pop".
A finança parece acreditar que: 1) o Congresso dos EUA vai autorizar novo limite de endividamento; 2) se não autorizar, Barack Obama dará um jeitinho legal de evitar o calote; 3) se o calote vier, os credores da dívida mobiliária receberão antes de servidores, velhos e doentes; 4) se o calote geral vier, será rápido e remediável (para os financistas).
Mesmo que tudo acabe bem, já "foi mal". Houve aumento de incerteza numa economia já claudicante. Para piorar, virá algum corte de gasto público, provavelmente sem aumento de imposto para ricos (que poupam mais, quando os EUA precisam de mais consumo privado).
Ou seja, vai faltar dinheiro para estimular a economia (especialmente na ociosa construção civil e, segundo eles, porca infraestrutura dos EUA). Vai faltar dinheiro para criar empregos e auxiliar pobres e desempregados, que gastam o que têm e poderiam criar mais demanda numa economia sem apetite e/ou endividada demais para gastar. Os EUA vão crescer mais devagar.
O governo federal americano arrecada agora apenas entre 14% e 15% do PIB (ante algo entre 18% e 19% na média dos últimos 30 anos) --ao menos metade do deficit vem do crescimento baixo. Crescendo pouco, vai ainda arrecadar pouco --difícil reduzir a dívida assim.
O golpismo e a anarquia da direita, o Tea Party e doidos do gênero, vão empurrando os EUA para uma "situação europeia". Por falar nisso, a crise europeia continua grave. O sucesso do "plano Grécia" é uma incógnita, Portugal está sub judice e Itália e Espanha estão nas cordas.
Não se sai de crise como a de 2008 sem dor. Crise criada pela finança desembestada e pelos governos que ela capturou. Governos que agora querem agradar com ortodoxia financeira fora de época. Isso não vai prestar.
Entrevista:O Estado inteligente
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