- 19/07/11
Como durante boa parte do governo Lula, quando o tema da corrupção dominava o noticiário em surtos recorrentes, nos primeiros seis meses do governo Dilma Rousseff o assunto continuou na ordem do dia sob diferentes roupagens - do fabuloso enriquecimento do deputado Antonio Palocci, antes de se tornar o braço direito da presidente, aos escândalos que não cessam de jorrar no Ministério dos Transportes. Cada uma a seu modo, uma vez armada a tempestade, as denúncias traziam para as páginas políticas as dificuldades de Dilma para administrar a sua obesa base parlamentar da qual dependia ora para impedir a apuração exaustiva dos fatos (no episódio Palocci), ora para que não criasse caso com a varrição nos Transportes.
As demandas por verbas e cargos das 14 bancadas aliadas na Câmara, que o ex-ministro da Casa Civil foi acusado de represar, ao manter fechada a porta de seu gabinete aos respectivos líderes, saltaram como a tampa de um bueiro carioca quando ele caiu em desgraça, obrigando a presidente a exilar para a Pesca o então ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, e a entregar a coordenação política do governo à senadora Ideli Salvatti. Tudo isso é verdade: corrupção e apaziguamento da maioria legislativa são problemas conexos em mais de um sentido. Mas não toda a verdade: o fato central nas relações entre o Planalto e o Congresso não é a dependência, mas a ditadura do primeiro sobre o segundo.
É da natureza do sistema político brasileiro que o Executivo disponha de instrumentos institucionais, além da clássica barganha, para que a sua agenda prevaleça na atividade legislativa. Para isso, o chefe do governo de coalizão conta, por exemplo, com o colégio de líderes de bancadas, no qual tem assento por meio do líder do governo em cada Casa, para amoldar aos seus interesses as pautas de votações. E tem a abusada prerrogativa de encharcar o Parlamento de pedidos de urgência e de medidas provisórias (MPs), cuja tramitação obedece a regras que, na prática, freiam iniciativas que o Planalto deseja manter no freezer.
Inovando na matéria, os homens do presidente Lula literalmente compraram a subordinação dos legisladores a seu talante: foi o mensalão. Mas nem assim seu governo conseguiu domar de forma tão completa a Câmara dos Deputados como o da presidente Dilma. Pela primeira vez na sua história, no regime democrático, os seus 513 integrantes não tiveram no período legislativo que terminou na última quinta-feira um único dia de votação livre de imposições do Executivo. Valendo-se com inusitada desenvoltura do amplo repertório de expedientes ao seu alcance, como a edição de MPs e o envio de projetos com o carimbo de urgência, o governo manteve sempre trancada a pauta de deliberações da Casa. Os deputados só votaram as matérias que Dilma queria - e não votaram nada que ela não quisesse.
Um exemplo dos procedimentos que tolhem a instituição legislativa foi o bloqueio do projeto de lei complementar que estabelece o patamar de gastos da União, Estados e municípios com saúde pública, regulamentando emenda à Constituição nesse sentido. O Planalto argumentou que, aprovada a proposta, os novos dispêndios do Executivo Federal no setor não teriam cobertura orçamentária. Mas não prevaleceu o poder de persuasão do governo junto à sua maioria na Câmara, cujos líderes insistiram em levar a matéria a votos. Ao que o governo retrucou com o estratagema de praxe: manteve a pauta bloqueada pelo projeto do Pronatec, sobre o ensino técnico, cujo caráter urgente lhe assegura precedência.
Na direção oposta, para aprovar a toque de caixa a anistia aos bombeiros que haviam se amotinado no Rio de Janeiro, como queria Dilma, o presidente da Casa, Marco Maia, do PT gaúcho, apelou para o que os políticos chamam "interpretação criativa" do regimento interno a fim de que a tramitação do projeto acabasse onde todos começam - na Comissão de Constituição e Justiça - sem precisar passar, depois, pelo plenário. "Nós nos frustramos", diz o líder do PSOL, Chico Alencar, "e a população fica frustrada conosco."
Entrevista:O Estado inteligente
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