O GLOBO - 23/07/11
Na campanha eleitoral, a bem sucedida propaganda política mostrava a imagem de Dilma Rousseff sempre viajando pelo Brasil. Nas últimas semanas ela tem enfrentado uma batalha sem precedentes para limpar o Ministério dos Transportes. A luta contra a corrupção no ministério é também a luta por eficiência na logística e na economia do País.
As gangues que tomam o ministério não só desviam recursos, fazem acordos com comparsas para sobrepreços e aditivos, produzem eventos de enriquecimento súbito. Têm feito mais. A estrutura de transportes no Brasil é calamitosa e produz estatísticas aterradoras de mortes e perdas econômicas. As decisões tomadas pela presidente nos últimos dias terão efeito para além do ministério porque podem inibir um pouco a forma sem cerimônia com que se formam os grupos de corruptos que saqueiam os recursos públicos. Alerta e assusta corruptos de outros ministérios.
O desafio é a dimensão da tarefa de limpeza, mas nenhum problema do País se resolve num passe de mágica, mas pela sucessão de passos certos na direção desejada. Essa limpeza é sem dúvida um desses momentos em que o País tem o conforto de saber que está indo na direção certa.
A ação da presidente, contra todas as pressões políticas, abre a possibilidade de que o Ministério dos Transportes comece a fazer o trabalho indispensável de reduzir o enorme atraso na logística do País. O Brasil tem 212 mil quilômetros de estradas pavimentadas; a Índia, com um terço do nosso território, tem 1,5 milhão.
Temos uma malha ferroviária mínima para um país continental. Como mostrei num levantamento feito pelo Contas Abertas , o ministério tristemente famoso pelos desvios não consegue investir o que tem direito a fazê-lo pelo Orçamento: em 10 anos, a média de uso de recursos orçados é 57%. Alguns de seus dirigentes têm sido tão ágeis e criativos no desvio do dinheiro público; mas tão ineficientes em fazer o dinheiro público virar estradas boas e ampliar ferrovias. O ex-ministro Alfredo Nascimento comandou três vezes o ministério em 7 anos; ao todo, 5,5 anos no cargo. Evidentemente, provou que não era a pessoa certa.
Há tanto tempo se ouve que há corrupção no Ministério dos Transportes que o País já achava que era um problema insolúvel. Ninguém é ingênuo de pensar que ele desapareceu, mas estamos diante da maior faxina já feita em qualquer dos antros de roubo de dinheiro público da história recente. Alguns políticos da base fazem ameaças veladas à presidente, de que sua faxina pode abalar a coalizão.
Mas que lógica é essa de que a governante tem, então, de fechar os olhos para as denúncias e indícios gravíssimos, porque do contrário não terá votos no Congresso? Se é assim, o que essa chantagem explicita é um aviso de que a presidente não governe, e que apenas fique como peça decorativa na sua cadeira, para a qual foi levada por 55 milhões de votos.
Se Dilma continuar a limpeza, de que forma governará? Essa é a pergunta dos pragmáticos. Pode-se fazer a pergunta pelo ângulo correto: se ela não enfrentar a corrupção, de que forma governará?
As gangues dos Transportes vinham agindo com cada vez menos cerimônia. Recentemente uma consultoria foi convocada a fazer um estudo preliminar. Ela jamais fez estudos para o governo; nunca ofereceu serviços; foi convidada. Lá, falando com pessoas que jamais encontrou antes, ouviu o alerta de que seu estudo seria contratado desde que pagasse propina. O que deixou o interlocutor boquiaberto foi a maneira natural com que se cobrava propina de um estudo que ele não tinha oferecido, nem se dispôs a fazer.
A impunidade é ambiente propício para que esse tipo de comportamento se multiplique e faça parte da rotina dos órgãos públicos. É o fermento do roubo. Isso é que havia virado natural no Ministério dos Transportes e no Dnit e, infelizmente, não apenas lá.
Quando Dilma inicia essa faxina, ela está abrindo chances para conter casos semelhantes em outros órgãos, para aumentar a eficiência no uso do dinheiro que os cidadãos entregam ao governo através dos impostos, está também criando a chance de aumentar a competitividade da economia brasileira.
O País precisa desesperadamente de boas estradas e logística eficiente. Isso não se conseguirá com a manutenção de pessoas - técnicos ou políticos - flagrados nos casos de corrupção, ou compactuados com eles. As imagens da presidente na campanha eleitoral sempre em deslocamento pelo País foi uma boa jogada de marketing para firmar a ideia da gerente ativa. Mostrava estradas sempre boas. A cena era irreal, porque as estradas são calamitosas em sua maioria. Mas não é impossível sonhar com uma logística eficiente que pavimente o sonho do crescimento.
Combater a corrupção é parte do verdadeiro desenvolvimentismo; não aquele que maquia com um nome bonito avaliações econômicas equivocadas. Quando o Brasil começou a lutar contra a hiperinflação, a tarefa parecia impossível e muita gente dizia que a doença era parte da cultura nacional. A travessia do deserto foi longa. A luta contra a corrupção também será longa. A faxina no Ministério dos Transportes é sem dúvida parte da tentativa de encontrar o caminho certo.
Entrevista:O Estado inteligente
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