O Estado de S. Paulo - 05/08/2010
Elefantes brancos costumam também designar alguma coisa de valor, da qual seu proprietário não pode dispor e cujo custo, inclusive de manutenção, é muito alto relativamente à sua utilidade. Segundo a Wikipédia, a expressão veio de animais desse tipo mantidos no passado por monarcas de países como Laos e Camboja, no Sudeste da Ásia. Ganhar um deles de um rei era uma bênção e uma maldição. Bênção porque sagrado e sinal de prestígio perante o monarca, maldição porque tinha de ser guardado e cuidado, sem utilidade que compensasse o custo de mantê-lo.
Uma pequena manada fixou raízes no Rio de Janeiro, com os Jogos Pan-Americanos de 2007, e tudo indica que virão duas maiores, uma com a Copa de 2014 e outra na Olimpíada de 2016. O Brasil vai recebê-las dos sagrados reinos da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional. Vamo-nos limitar à de 2014.
O assunto recebeu ampla matéria de Marta Salomon neste jornal, no domingo. O texto abre com a afirmação de que as obras dos estádios já "reúnem indícios de superfaturamento, desperdício de recursos e negócios arriscados para os cofres públicos". Ou seja, já começou mal no criatório.
O custo das obras nos locais pré-selecionados alcança hoje um total de R$ 5,1 bilhões, e é importante datar esses custos, pois sua tendência é para o alto. Desse total, R$ 3,3 bilhões seriam financiados pelo BNDES. Uma de suas exigências é a demonstração da viabilidade econômica dos estádios no longo prazo. Se não se mostrarem lucrativos, os governos estaduais deverão cobrir os prejuízos. Será preciso fazer piruetas enormes para demonstrar essa viabilidade, e o BNDES que se cuide, pois pode ficar mal nessa história.
Tal viabilidade depende muito do uso do estádio para fins esportivos, da frequência que receberá, do valor dos ingressos e dos custos de manutenção, entre outros aspectos. Rendas também poderão vir da utilização para outras finalidades, como shows e festas. Eu gostaria de ver estádios-escolas, estas construídas embaixo das arquibancadas, mesmo que não ficassem bem arquitetonicamente. Se houver alguma outra restrição à ideia, que alguém me diga, pois gostaria de saber.
O certo é que o uso alternativo tem sido mínimo no Brasil. Mesmo com o futebol, segundo matéria de Luciano Máximo no jornal Valor de 1.º/6, a frequência no Brasileirão de 2009 teve a média de 17.807 espectadores - no campeonato alemão essa média foi de 42.565; no inglês, de 35.600; no espanhol, de 29.124; e no italiano, de 25.304, e sabe-se que lá os ingressos custam bem mais. Na Copa de 2006, na Alemanha, 9 dos 12 estádios utilizados eram privados. Aqui, ao contrário, serão 9 estatais dentre os 12, faltando ainda São Paulo por definir.
Em geral os clubes brasileiros não têm condições de arcar com os investimentos de um grande estádio, pois não têm dinheiro e o retorno é baixo. Assim, a Copa e seus estádios serão uma aventura predominantemente estatal e será difícil demonstrar a viabilidade econômica de projetos nessa área, prenunciando, assim, uma manada de elefantes brancos.
E há outros alertas. Na reportagem deste jornal há um do Tribunal de Contas da União (TCU) abordando estádios de Brasília, Manaus, Recife e Cuiabá, nestes termos: "O risco de elefantes brancos pode ser considerado alto em virtude de serem locais com pouca tradição de futebol." Há também um estranho caso de parceria público-privada (PPP), responsável pela reconstrução do Estádio da Fonte Nova, em Salvador, ao custo de R$ 591,7 milhões, num projeto que envolve uma taxa de retorno de 16,7% (!) ao ano para o investimento do parceiro.
Entrevistado, o secretário executivo da PPP defendeu essa taxa argumentando que é semelhante à da reforma do Mineirão, em Belo Horizonte. E que no caso do novo estádio no Recife, onde há outra PPP, o acordo garante ao sócio privado que o Estado bancará o prejuízo caso a bilheteria não renda R$ 75 bilhões por ano, um valor que considera superestimado. É como um elefante a justificar o outro.
A matéria também diz que, das 11 arenas que menciona, praticamente todas estão atrasadas, o que levanta um aspecto particularmente aterrorizante, o de que na última hora os governantes sejam pressionados por mais verbas, e com superfaturamento.
Outra notícia veio ontem na Folha de S.Paulo, indicando que a nova arena a ser construída pelo Palmeiras, em parceria com uma organização privada, já é dada como certa. Sua importância está também no fato de que poderá servir para comparar seus custos e prazos com os das obras sob o guarda-chuva do setor público. E, também, a questão da viabilidade econômica.
Como a manada da Copa já se afigura como inevitável, talvez fosse o caso de replicar também a Ordem do Elefante Branco, de oito graus, outorgada pelo governo da Tailândia, e que aqui poderia ser atribuída aos Estados que mais se destacassem na criação dos bichos.
E há à frente a enorme e séria tarefa de segurar seus custos, na qual será fundamental o papel do Ministério Público, da imprensa, do TCU e de seus congêneres nos Estados. Outra razão é que manadas desse tipo costumam vir acompanhadas de outros coletivos detestáveis. Assim, quando fui confirmar se manada era o de elefantes, reencontrei também outros coletivos que podem vir junto. Alguns festivos, como bandas e buquês, mas há o risco de alcateias, bandos, cambadas, corjas, pragas e nuvens. Deixo para o leitor a tarefa de voltar a seus tempos de ensino básico para rever o significado desses coletivos.
Na mesma lista que vi aparece trouxa como coletivo de roupas, mas faltou um coletivo para trouxas, todos nós, que pagaremos a enorme conta dessa aventura.
Entrevista:O Estado inteligente
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