Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 14, 2010

Adriano Pires:"A Petrobras é uma caixa-preta", alerta especialista

"A Petrobras é uma caixa-preta", alerta especialista

Na avaliação do consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, o governo não tem acesso ao que "está acontecendo em alto-mar"

Benedito Sverberi
A eleição da Petrobras como 'campeã nacional' só intensifica o esvaziamento da ANP, alerta Pires

Adriano Pires, do CBIE, defende a independência 'de fato' das agências reguladoras (Eduardo Monteiro)

"O governo atual faz um jogo midiático que transforma a Petrobras na seleção brasileira, em que ninguém pode ser contra ela"

O Agência Nacional do Petróleo (ANP), apesar de ter determinado a interdição da plataforma P-33 da Petrobras por denúncias de descumprimento de normas de segurança, não tem poder, de fato, para fiscalizar a estatal. Na visão do consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, o órgão regulador não tem instrumentos e nem poder político para 'enquadrar' a empresa. Durante o atual governo, aponta o especialista, teria havido piora deste quadro, com corte de recursos e ampliação da ingerência política, especificamente do PC do B.

Pires denuncia que o governo não tem acesso ao que "está acontecendo em alto-mar". "A Petrobras é uma caixa-preta", afirma. Ter uma uma agência reguladora independente e de perfil técnico é, na avaliação dele, o melhor a fazer para que não se repita no Brasil tragédias como a da plataforma da BP no Golfo do México.

A ANP suspendeu nesta quinta-feira as operações da plataforma P-33 da Petrobras em resposta a denúncias de descumprimento de normas de segurança. Há, de fato, risco elevado de algum tipo de acidente na exploração de petróleo em alto-mar?

É muito difícil e seria até mesmo leviano afirmar se esse risco existe ou não, quanto mais estimar se é ou não elevado. O problema é que a Petrobras é uma caixa-preta. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) não têm o menor acesso ao que está acontecendo em alto-mar. Tanto que essa informação só veio a público porque o Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (SindipetroNF) fez uma denúncia que ganhou as páginas dos jornais. Caso contrário, não teria sido dito. Onde está a agência reguladora que não viu isso? Esse episódio é revelador do fato de que a ANP e o Ibama não têm uma política de fiscalização consistente para impedir ocorrências como vazamentos de petróleo ou até eventuais explosões em plataformas. No fundo, a gente está nas mãos da Petrobras. Temos de torcer para que ela tome todo o cuidado e não permita uma repetição no Brasil da tragédia da BP nos Estados Unidos.

Mas dá para traçar um paralelo entre a denúncia da P-33 e o megavazamento de petróleo no Golfo do México?

Sim. Um fato que ficou claro no episódio da BP – o que pode ser conferido nos relatórios realizados pelo Congresso americano, nos depoimentos de executivos da petrolífera e nas análises de especialistas – é que o acidente só aconteceu por negligência das autoridades americanas. Tornou-se evidente que as petroleiras haviam ‘capturado’ a agência reguladora local. No país, verificamos um cenário parecido. A ANP está nas mãos da Petrobras; e isso não é de hoje não. O que piorou muito nos últimos anos é que a agência também foi ‘capturada’ por um partido político, o PC do B, do atual diretor-geral Haroldo Lima. O ideal seria que a ANP fosse encarada, principalmente pelos que governam a nação, como um órgão de Estado; e não como um instrumento para fazer política de governo. Seu quadro deveria ser ocupado por técnicos, não por pessoas ligadas a partidos.

Quais os riscos dessa ‘captura’?

Ao ser ‘capturada’ por uma empresa ou por um conjunto delas, ocorre o que se verificou nos EUA: aqueles que são responsáveis por fiscalizar e exigir o cumprimento de regras rígidas de segurança não o fazem a contento. O acidente no Golfo do México só aconteceu porque a BP viu que podia reduzir custos ao abrir mão de certas normas prudenciais. Aqui no Brasil, vários dias após o início do vazamento de petróleo nos Estados Unidos, o governo fez declarações na imprensa de que seria necessário pensar em planos de contingência, em criar políticas que intensificassem as exigências de segurança nas plataformas marítimas da Petrobras e das outras empresas exploradoras. Nada disso adianta! Como é possível implantar essas políticas, se a ANP, o Ibama e a Marinha não têm condições estruturais e nem força política? Há, inclusive, uma confusão de competência. Não se sabe direito onde começa e onde termina a atribuição da agência; onde começa e termina a do Ibama, e assim por diante. A ANP é o caso mais grave. Não dá para esperar que ela vá enfrentar aquela que foi eleita a campeã nacional! O governo atual faz um jogo midiático que transforma a Petrobras na seleção brasileira, em que ninguém pode ser contra ela. Só esse tipo de política já esvazia parte do poder da agência. O Executivo, na verdade, deveria apoiar o órgão regulador, mostrando que está do lado dele. Mas no Brasil acontece o contrário. Estamos sempre do lado das estatais, que cumprem projetos políticos. O presidente Lula, três meses após a explosão nos EUA, limitou-se a dizer que acredita que a Petrobras “tem tecnologia” para impedir que isso aconteça. Eu só vou acreditar numa política séria de prevenção de acidentes no dia em que se recuperar o verdadeiro papel das agências reguladoras neste país. Do jeito que estão, nem que elas queiram, não conseguirão cumprir suas atribuições.

A ANP dá sinais de que está fechando o cerco com a Petrobras ao interditar a plataforma, fazer exigências...

Puro jogo de cena. Você não pode se esquecer que estamos num ano eleitoral. O PC do B, que é o partido que tem mais ingerência na ANP, tem toda uma tradição histórica de políticas nacionalistas e populistas. Eles têm de mostrar serviço, mas isso não significa que a Petrobras realmente passará a ser fiscalizada com mais eficácia. Por conta da descoberta das enormes reservas da camada pré-sal, o governo disse que era imprescindível mudar o marco legal do setor. Tanto que fez a proposta, encaminhou ao Congresso e tudo mais. A principal mudança foi a alteração do regime, que passou de concessão para a partilha. Falou-se em meio ambiente? Alguém propôs criar alguma lei específica que exigisse o cumprimento de severas normas de segurança na exploração de um petróleo que está a quilômetros da costa e numa cama ultra profunda? Ninguém falou nada disso. Esse discurso ‘mais consciente’ por parte das autoridades só veio à tona por pressão da sociedade, assustada com os desdobramentos da tragédia da BP.

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