O ESTADO DE S. PAULO
Não sei dizer de outros comentaristas de economia da imprensa. Mas, "no que me concerne", como exclamava, com peculiar entonação, um famoso ex-presidente brasileiro, a maior surpresa não foi o tombo de 3,6% do PIB, apurado pelo IBGE, no último trimestre do ano passado; nem foi também o grande corte de 1,50 ponto porcentual na taxa Selic, decidido na reunião do Copom - sinal de que alguma dose de pânico açulou os espíritos dos seus membros - embora muita gente esperasse corte maior. Surpresa foi a percepção de que o Copom, com todo o seu aparato técnico e espírito conservador, também surfava na ilusão da "marolinha".
É o que explica a falta de agilidade e sensibilidade do colendo órgão desde agosto-setembro do ano passado.
Tempo perdido não se recupera. As economias brasileira e mundial agora se apresentam como aqueles carros de Fórmula 1 quando o piloto perde a direção - vemos a cena espantosa nas imagens das TVs: começam a dar cambalhotas, piruetas e reviravoltas deixando destroços por onde passam, num desastre que ninguém sabe quando e onde vai parar. E na economia também não há quase nada a fazer enquanto o desastre estiver rolando. Digamos que é um pouco esperar, agora, que o "marolão" se acalme, para ter melhor noção de como agir.
O que o Copom pode fazer é, daqui por diante, tentar contribuir para minorar as dimensões e a intensidade do desastre. Já começou a baixar a Selic, e admite continuar nessa política - um pouco tardia. Mas os juros no Brasil sempre estiveram altos, aliás, altíssimos, desde antes da invenção da Selic. Na média histórica, têm sido dos mais altos do mundo. No período recente - "Selicado", digamos - a taxa básica tem-se mantido alta desde o pico de maio de 2005 (19,75% ao ano), embora numa desescalada consistente. Isso não impediu que, no período, o PIB trimestral aumentasse sempre nem que os últimos três anos exibissem um nível de investimentos privados como poucas vezes se viu em nossa economia.
Portanto, juros altos não inibem investimentos privados, desde que haja mercado em crescimento, poder aquisitivo em alta e boas perspectivas de negócios. Foi esse ambiente positivo que garantiu a maior parte dos investimentos privados no crescimento da produção e do emprego no segundo mandato do presidente Lula, além da fase de muita bonança na economia internacional. Já os investimentos públicos, esses, encorparam bastante a oratória do governo, mas muito pouco o tutano da economia. Então, é preciso pesquisar melhor porque os investimentos privados se retraíram tanto em apenas um semestre, ou trimestre, sabendo, desde já, que a queda dos juros, neste momento, não elevará, de maneira significativa nem a curto prazo, o nível de investimentos: a Selic "não é milagrosa", já disse alguém.
Milagre acontece quando todos os agentes econômicos ou a maior parte deles, pelo menos, se convence de que o mar está pra peixe, o momento é favorável para se ganhar dinheiro e os ventos sopram a favor dos lucros. Quando as expectativas são o inverso disso, não há investimentos, os investidores jogam na retranca e ficam esperando a virada. Não adianta o presidente Lula ficar exortando os empresários a investirem: investimento se faz (1) com crédito; (2) para atender a um mercado crescente; (3) com o objetivo de bom lucro. Simples assim. Com o crédito retraído, no mundo e no Brasil (apesar dos misteriosíssimos anúncios de altos lucros de três grandes bancos americanos, no final de semana, e que ainda precisam ser bem explicadinhos); com o mercado interno encolhendo, por causa do aumento do desemprego, e o externo também, pela mesma causa; e com a perspectiva de lucro cada vez mais duvidosa, só Jesus Cristo teria êxito com discurso pró-investimento. Lula ainda não faz milagres...
Estamos na hora da calmaria dos bons ventos que sopraram durante quase dez anos, depois do final do primeiro mandato de FHC, quando crises na Ásia, na Rússia, no México, e não lembro onde mais, criaram uma turbulência mundial perturbadora e, no Brasil, viraram de pernas para o ar a política monetária e cambial que vinha sendo seguida, criando uma imensa confusão, até para se conseguir nomear um presidente do Banco Central. Alguém se esqueceu?
A entrada da China no mercado mundial, nesse período, comprando mercadorias e importando capitais em quantidades talvez nunca vistas, criou o que se poderia chamar de arrastão do bem para grande número de economias nacionais, no qual a do Brasil também foi colhida, com grande proveito para o emprego, a produção, as exportações, os investimentos e... os impostos.
Aqui, é oportuno lembrar: os governos brasileiros, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, nunca aprenderam a usar, em benefício do desenvolvimento sustentado e equilibrado, os frutos de uma boa safra arrecadadora. Refestelam-se nas burras bem abastecidas e entregam-se à volúpia das benesses populistas demagógicas. Lula não fugiu à regra. Em vez de conter o custeio e os gastos do seu governo no nível em que os encontrou, destinando o aumento da arrecadação a um programa de investimentos públicos muito melhor e mais amplo do que os de seus antecessores, deixou que os aumentos do custeio consumissem os da arrecadação, respeitada apenas a parte destinada aos pagamentos dos juros da dívida pública.
O resultado é que agora, quando os investimentos públicos seriam muito mais importantes do que a queda dos juros para dinamizar a economia, os recursos escasseiam e, principalmente, os órgãos do governo encarregados deles tropeçam nas próprias pernas por falta de gente, de projetos, de prática, de normas, enfim, de governança, e o grande instrumento, o PAC, fica patinando na verborreia governamental.
Entrevista:O Estado inteligente
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