Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 20, 2009

Míriam Leitão A ata e os atos

O GLOBO

O Banco Central disse que os juros vão continuar caindo. Não assim, claramente, mas na língua dele. Disse que as projeções de inflação para 2009 estão abaixo da meta e que o crédito reduziu a demanda, diminuindo as pressões inflacionárias. Disse que, mesmo se a gasolina não cair, a queda do petróleo vai diminuir preços petroquímicos, e que, em baixa, as commodities vão derrubar outros preços.

Um cenário “benigno” de inflação, como se diz, é sinônimo de redução de juros. Se a ata dissesse o contrário, seria esquisito porque, de fato, a inflação está cedendo, a economia teve um tombo no último trimestre e as duas variáveis juntas abrem espaço para a queda dos juros.

A ata de ontem tem curiosidades. O BC mostrou que acredita em histórias da carochinha. Está na ata do Copom que ele trabalha com a hipótese de que o governo terá um superávit primário de 3,8%. Até a xícara de café que é servida na reunião do Copom sabe que o governo não cumprirá essa meta. A decisão de reduzir o superávit sem reduzi-lo formalmente, usando os 0,5% do PIB no Projeto Piloto de Investimento, era esperada. A arrecadação está caindo fortemente e mesmo com o espaço fiscal aberto pela queda dos juros, o governo vai reduzir ainda mais o superávit.

Outra historinha é apresentar o enorme tombo do último trimestre com cores suaves. Seria apenas um “arrefecimento do ritmo de expansão da demanda”; e o IBGE teria divulgado só uma “desaceleração do crescimento”. Na verdade, despencaram vendas de inúmeros produtos e isso não é apenas uma redução do aumento das vendas; e a “desaceleração” só se vê na comparação com o mesmo trimestre de 2007, porque na comparação com o trimestre anterior é queda do PIB mesmo, de 3,6%. Em relação ao mercado de trabalho, o BC vê “sinais ambíguos”. Outra forma de dourar a pílula, porque o que está havendo é um forte movimento de destruição de postos de trabalho. De novembro de 2008 a janeiro de 2009, quase 800 mil empregos formais desapareceram, e em fevereiro houve criação de apenas 9 mil vagas. Não há ambiguidade: o desemprego está aumentando.

“A perda do dinamismo da economia”, diz o BC, vai reduzir as pressões inflacionárias. “As perspectivas para a evolução da atividade econômica continuam se deteriorando”, e mais, “a contribuição do crédito para a sustentação da demanda arrefeceu de forma intensa”. Isso, em “bancocentrês”, significa que a inflação vai cair, o consumo vai diminuir, até porque comprar a prazo está mais difícil. Como a função do BC é vigiar a inflação, os juros vão continuar caindo.

De certa forma, todo mundo sabia disso, mas o que os especialistas entenderam é que a ênfase do BC nessa redução do risco de inflação foi maior do que se imaginava e, portanto, os juros futuros caíram ontem porque os bancos e consultorias passaram a apostar em novo corte de 1 ou 1,5 ponto percentual na reunião de abril.

O ponto em que ele foi mais claro foi quando disse: “O Comitê entende que o desaquecimento da demanda, motivado pelo aperto das condições financeiras, pela deterioração da confiança dos agentes e pela contração da atividade econômica global, criou importante margem de ociosidade dos fatores de produção. Esse desenvolvimento deve contribuir para conter as pressões inflacionárias, mesmo diante das consequências do processo de ajuste do balanço de pagamentos e da presença de mecanismos de realimentação inflacionária na economia, abrindo espaço para flexibilização da política monetária.”

Flexibilização da política monetária significa queda de taxa de juros. O BC repetiu que tem de ser cauteloso, lembrou que ainda existem pressões inflacionárias, que tem de trabalhar para que a inflação vá para o centro da meta — hoje está perto de 6% em 12 meses. Mesmo assim, aumentou a ênfase na ideia de que há espaço para queda dos juros.

No resto do mundo, os bancos centrais, nos seus comunicados, traçam com cores bem mais fortes os riscos econômicos da dramática crise que o mundo vive. No Brasil, o cenário ainda é tratado como se fosse uma crise normal.

Nos últimos dias, o mercado comemorou, no mundo inteiro, a bala de prata que o Fed decidiu usar: vai imprimir dinheiro e, com ele, comprar títulos do governo de longo prazo e papéis atrelados a hipotecas e outras dívidas. O resultado foi imediato. Os juros futuros caíram com previsível impacto sobre os juros de toda a cadeia de dívidas de longo prazo; as ações dos bancos, cujos balanços estão arruinados exatamente pela falta de compradores para os papéis lastreados em hipotecas, tiveram fortes altas. Há um clima de “agora sim, nós começamos a conversar”.

Mas a comemoração pode ser mais um dos muitos momentos de euforia que se esgotam em poucos dias. Já há economistas americanos dizendo que “para começar está bom”. E o Fed disse que usaria a módica quantia de US$ 1,25 trilhão nessa compra de papéis do próprio governo e nesse esforço para dar liquidez aos micos que entopem o mercado. Esta crise, que parece sem fim, tem novos desdobramentos na área política, como o cerco ao secretário do Tesouro, Timothy Geithner.

Ele devia ajudar o presidente Barack Obama e pedir para ir embora. Desde que foi indicado, o governo já perdeu tempo demais tentando explicar seus atos e omissões.

Com Leonardo Zanelli

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