ESTADO DE S. PAULO
O Tribunal Superior Eleitoral concluiu um projeto de aperfeiçoamento do sistema de votação eletrônica que, segundo o presidente do TSE, ministro Ayres Britto, a partir de 2014 vai permitir ao brasileiro ir às urnas mesmo se estiver fora de seu domicílio eleitoral.
Hoje o eleitor é obrigado a justificar a ausência, mas não pode ter seu voto contabilizado.
"É espetacular. É uma revolução", comemorou o ministro Ayres Britto, entusiasmado com a nova sistemática de cartões eletrônicos com chips e outras bossas.
Todas novíssimas, à altura do avançado sistema de votação brasileiro, reconhecidamente um dos mais, se não o mais, modernos do mundo.
Em contrapartida, o Brasil é um dos poucos, entre as nações civilizadas, a sustentar a tradição do voto obrigatório. Isso desde 1932, há 77 anos, portanto.
Não obstante a longevidade do sistema, as mudanças ocorridas principalmente nos últimos anos e o consenso em torno da necessidade de uma reforma político-eleitoral, o voto facultativo é um tema interditado do debate.
Pouco se fala no assunto e, quando se levanta a hipótese de liberação do eleitor para decidir se quer ou não votar, o mundo desaba em argumentos segundo os quais o Brasil - e o brasileiro, portanto - ainda não está preparado para fazer a opção entre comparecer ou não comparecer às urnas.
O que é um direito na Europa, na América do Norte (à exceção do México), na maior parte da América Central, em 205 nações do planeta, no Brasil e em outros 23 países (a maioria da América do Sul) é uma obrigação, passível de penalidades. Insignificantes na forma, mas desconfortáveis no conteúdo, principalmente pelo caráter impositivo a um ato que resulta numa escolha.
Por conta de um acordo tácito firmado sabe-se lá onde ou quando, a tese é intocável. Foi rechaçada durante a Constituinte por parlamentares de todos os matizes ideológicos e não encontra porta-vozes dispostos a levantá-la, ainda que como hipótese de consulta popular para conferir se o eleitor está satisfeito com o sistema atual ou se gostaria de mudar.
Um dos poucos defensores de peso era justamente o ministro Ayres Britto, entusiasta da modernização do sistema de votação, que, no entanto, mudou de opinião depois das eleições municipais do ano passado.
Em outubro de 2008, o ministro entendia que brevemente o Brasil teria "um encontro marcado" com o voto facultativo.
"Entendo que a legislação consagrará, como em outros países, a voluntariedade do voto", que, argumentava ele, dá ao eleitor a possibilidade de se engajar no processo eleitoral "com mais conhecimento de causa e determinação".
Em janeiro de 2009, passou a defender o oposto. "A eleição é tanto mais participativa quanto obrigatório o voto. O voto facultativo significaria uma desmobilização física, provavelmente com maior repercussão nos setores economicamente mais necessitados e com menos educação formal." Os pobres, bem entendido.
A razão da mudança? A de sempre: o Brasil precisa de educação política e uma das formas mais eficientes de educar o povo é obrigá-lo a votar.
Com cartão eletrônico e chip para reconhecimento digital, mas no cabresto. De pai para filho desde 1932 e até quando a justiça divina decidir que o brasileiro sabe se comportar direitinho e não vai dar vexame na democracia.
À sorrelfa
Aos quase dois meses da mais recente crise, o Senado vai caminhado para debitar suas mazelas na conta dos funcionários. Desde a negociação da "trégua" entre PT e PMDB, a questão passou a ser tratada como se as irregularidades fossem meramente funcionais, quando a disfunção ali é atinente ao decoro parlamentar, ao desrespeito à Constituição, à cultura do privilégio.
"Precisamos enxugar essa máquina", alardeou o primeiro-secretário, Heráclito Fortes, que nos últimos dias assumiu o problema, permitindo ao presidente José Sarney um distanciamento estratégico do desgaste.
Fez um carnaval com a demissão de 50 diretores. Divulgou os nomes, ironizou a existência de diretorias bizarras, humilhou publicamente quem pediu para ficar, mandou recolher os carros oficiais aos costumes, falou como se o problema fosse da responsabilidade dos servidores e não primordialmente da alçada dos senadores.
Prometeu mais na semana que vem. Do mesmo, naturalmente.
O foco foi desviado para o lado administrativo. Assim, não se toca nos pecados dos parlamentares, não se responsabilizam aqueles que tomam as decisões e permitem que o Legislativo seja uma instituição onde o privilégio é a lei.
Há as diretorias absurdas, há os diretores sem compostura, há os passageiros de trens da alegria, há quem receba horas extras indevidas, há quem pinte e borde, mas nada - ou muito menos - disso haveria se suas excelências não autorizassem as práticas e não compartilhassem dos abusos.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO 21/03/2009
As pesquisas Datafolha e CNI/Ibope constatam o esperado: com o agravamento da crise econômica, materializada aqui nas más notícias sobre o PIB do último trimestre de 2008, aumenta a apreensão das pessoas e diminui o grau de tolerância geral.
Quem pouco ligava para desvios éticos fica mais sensível a notícias sobre corrupção, quem estava seguro no emprego consumindo ao ritmo de 36 prestações mensais "sem juros" começa a se inquietar e a querer cobrar do governo uma providência antes que o pior aconteça.
Quem admirava a habilidade do presidente da República em se desviar das crises políticas tende a exigir mais sobriedade na administração da adversidade econômica, a cotejar palavras com rigor a fim de conferir se há relação entre a realidade vivida e os discursos ufanistas.
Seria, pois, de espantar se a popularidade do presidente Luiz Inácio da Silva não registrasse um abalo. A palavra "queda" soa um tanto superlativa ante a oscilação de cinco pontos porcentuais, em média, nas duas pesquisas.
Se no ambiente geral adverso Lula ainda conseguisse mais pontos positivos na avaliação pessoal, aí não seria presidente, mas um santo a operar o milagre da felicidade na crise econômica.
Para quem é popular entre mais de 60% da população, cinco pontos a mais ou a menos não faz diferença. A questão que ao governo federal aflige - ou pelo menos deveria - é o comportamento futuro desses índices e como eles vão repercutir no papel que Lula pretende cumprir na História.
Desse ponto de vista, muito mais importante que a queda do índice de popularidade é o abalo no grau de confiança da população na figura do presidente e, por consequência, no governo. Segundo o Ibope, houve redução de seis pontos porcentuais no quesito de novembro a março.
Popularidade e confiabilidade são conceitos diferentes.
Lula é popular por uma série de razões que não necessariamente guardam relação com seus reais atributos de governante. É o personagem preponderante na política, está todos os dias nos jornais, na televisão, no rádio, seu nome é dito e repetido em toda parte, a todo instante.
Popularidade se ganha, se perde e se recupera com relativa facilidade, bastando saber manejar com competência circunstâncias, emoções, características culturais do ambiente, simbologias e atributos pessoais.
Confiabilidade é outra coisa. É prima-irmã da credibilidade e, uma vez perdida, dificilmente é retomada. Principalmente se a perda é acelerada como a registrada na pesquisa Ibope.
O instituto Datafolha apontou o detalhe objetivo: 50% da população não acredita na afirmação do presidente Lula de que a crise econômica passaria pelo Brasil como uma "marolinha". Há três meses, 39% diziam confiar naquelas palavras.
Essa é a perda consistente e que poderá influir no desempenho eleitoral do candidato governista à Presidência em 2010, seja a ministra Dilma Rousseff ou qualquer outro nome.
Se o presidente fiador da candidatura é popular, a eleição municipal de 2008 mostrou que aos olhos do eleitorado isso não tem necessariamente influência sobre a opção de voto. A qualidade é pessoal e intransferível.
Agora, se o chefe do governo não é confiável, a desconfiança tende a contaminar a candidatura, pois ela é uma representação institucional. Uma característica fala sobre a simpatia despertada pela pessoa física, a outra diz respeito à avaliação de desempenho da figura jurídica.
Lula chegando com altos índices de popularidade em 2010, tanto melhor para a candidatura oficial. Mas, chegar lá com um grau razoável de confiabilidade será essencial.
Mais não seja, para entrar pela porta da frente na História.
Agenda do eleitor
Os índices de intenção de votos nos prováveis candidatos a presidente em 2010 se mantiveram praticamente os mesmos em relação à última pesquisa do Datafolha. A economia mexeu com a avaliação do presidente, mas passou longe da eleição.
Indica que o governador José Serra talvez esteja certo em resistir aos apelos para entrar na campanha eleitoral desde já. No momento, a crise está em primeiro lugar na escala de prioridades do eleitorado.
A dianteira de Serra, com 41% das preferências, contra 17% de Aécio Neves, 16% de Ciro Gomes, 11% de Dilma Rousseff e 11% para Heloísa Helena, também explica por que o governador não quer antecipar o embate.
Os oponentes, em desvantagem, precisam se movimentar. Mas a ele a paralisia favorece. No mínimo não corre o risco de provocar alterações de humor eleitoral numa hora em que o mar não está para peixe.
Resistência
A ex-senadora Heloisa Helena está fora de cena há mais de dois anos. No entanto, resiste emparelhada com Dilma Rousseff, em cena diariamente há um ano
O Tribunal Superior Eleitoral concluiu um projeto de aperfeiçoamento do sistema de votação eletrônica que, segundo o presidente do TSE, ministro Ayres Britto, a partir de 2014 vai permitir ao brasileiro ir às urnas mesmo se estiver fora de seu domicílio eleitoral.
Hoje o eleitor é obrigado a justificar a ausência, mas não pode ter seu voto contabilizado.
"É espetacular. É uma revolução", comemorou o ministro Ayres Britto, entusiasmado com a nova sistemática de cartões eletrônicos com chips e outras bossas.
Todas novíssimas, à altura do avançado sistema de votação brasileiro, reconhecidamente um dos mais, se não o mais, modernos do mundo.
Em contrapartida, o Brasil é um dos poucos, entre as nações civilizadas, a sustentar a tradição do voto obrigatório. Isso desde 1932, há 77 anos, portanto.
Não obstante a longevidade do sistema, as mudanças ocorridas principalmente nos últimos anos e o consenso em torno da necessidade de uma reforma político-eleitoral, o voto facultativo é um tema interditado do debate.
Pouco se fala no assunto e, quando se levanta a hipótese de liberação do eleitor para decidir se quer ou não votar, o mundo desaba em argumentos segundo os quais o Brasil - e o brasileiro, portanto - ainda não está preparado para fazer a opção entre comparecer ou não comparecer às urnas.
O que é um direito na Europa, na América do Norte (à exceção do México), na maior parte da América Central, em 205 nações do planeta, no Brasil e em outros 23 países (a maioria da América do Sul) é uma obrigação, passível de penalidades. Insignificantes na forma, mas desconfortáveis no conteúdo, principalmente pelo caráter impositivo a um ato que resulta numa escolha.
Por conta de um acordo tácito firmado sabe-se lá onde ou quando, a tese é intocável. Foi rechaçada durante a Constituinte por parlamentares de todos os matizes ideológicos e não encontra porta-vozes dispostos a levantá-la, ainda que como hipótese de consulta popular para conferir se o eleitor está satisfeito com o sistema atual ou se gostaria de mudar.
Um dos poucos defensores de peso era justamente o ministro Ayres Britto, entusiasta da modernização do sistema de votação, que, no entanto, mudou de opinião depois das eleições municipais do ano passado.
Em outubro de 2008, o ministro entendia que brevemente o Brasil teria "um encontro marcado" com o voto facultativo.
"Entendo que a legislação consagrará, como em outros países, a voluntariedade do voto", que, argumentava ele, dá ao eleitor a possibilidade de se engajar no processo eleitoral "com mais conhecimento de causa e determinação".
Em janeiro de 2009, passou a defender o oposto. "A eleição é tanto mais participativa quanto obrigatório o voto. O voto facultativo significaria uma desmobilização física, provavelmente com maior repercussão nos setores economicamente mais necessitados e com menos educação formal." Os pobres, bem entendido.
A razão da mudança? A de sempre: o Brasil precisa de educação política e uma das formas mais eficientes de educar o povo é obrigá-lo a votar.
Com cartão eletrônico e chip para reconhecimento digital, mas no cabresto. De pai para filho desde 1932 e até quando a justiça divina decidir que o brasileiro sabe se comportar direitinho e não vai dar vexame na democracia.
À sorrelfa
Aos quase dois meses da mais recente crise, o Senado vai caminhado para debitar suas mazelas na conta dos funcionários. Desde a negociação da "trégua" entre PT e PMDB, a questão passou a ser tratada como se as irregularidades fossem meramente funcionais, quando a disfunção ali é atinente ao decoro parlamentar, ao desrespeito à Constituição, à cultura do privilégio.
"Precisamos enxugar essa máquina", alardeou o primeiro-secretário, Heráclito Fortes, que nos últimos dias assumiu o problema, permitindo ao presidente José Sarney um distanciamento estratégico do desgaste.
Fez um carnaval com a demissão de 50 diretores. Divulgou os nomes, ironizou a existência de diretorias bizarras, humilhou publicamente quem pediu para ficar, mandou recolher os carros oficiais aos costumes, falou como se o problema fosse da responsabilidade dos servidores e não primordialmente da alçada dos senadores.
Prometeu mais na semana que vem. Do mesmo, naturalmente.
O foco foi desviado para o lado administrativo. Assim, não se toca nos pecados dos parlamentares, não se responsabilizam aqueles que tomam as decisões e permitem que o Legislativo seja uma instituição onde o privilégio é a lei.
Há as diretorias absurdas, há os diretores sem compostura, há os passageiros de trens da alegria, há quem receba horas extras indevidas, há quem pinte e borde, mas nada - ou muito menos - disso haveria se suas excelências não autorizassem as práticas e não compartilhassem dos abusos.
Uma coisa é outra coisa
Dora KramerDEU EM O ESTADO DE S. PAULO 21/03/2009
As pesquisas Datafolha e CNI/Ibope constatam o esperado: com o agravamento da crise econômica, materializada aqui nas más notícias sobre o PIB do último trimestre de 2008, aumenta a apreensão das pessoas e diminui o grau de tolerância geral.
Quem pouco ligava para desvios éticos fica mais sensível a notícias sobre corrupção, quem estava seguro no emprego consumindo ao ritmo de 36 prestações mensais "sem juros" começa a se inquietar e a querer cobrar do governo uma providência antes que o pior aconteça.
Quem admirava a habilidade do presidente da República em se desviar das crises políticas tende a exigir mais sobriedade na administração da adversidade econômica, a cotejar palavras com rigor a fim de conferir se há relação entre a realidade vivida e os discursos ufanistas.
Seria, pois, de espantar se a popularidade do presidente Luiz Inácio da Silva não registrasse um abalo. A palavra "queda" soa um tanto superlativa ante a oscilação de cinco pontos porcentuais, em média, nas duas pesquisas.
Se no ambiente geral adverso Lula ainda conseguisse mais pontos positivos na avaliação pessoal, aí não seria presidente, mas um santo a operar o milagre da felicidade na crise econômica.
Para quem é popular entre mais de 60% da população, cinco pontos a mais ou a menos não faz diferença. A questão que ao governo federal aflige - ou pelo menos deveria - é o comportamento futuro desses índices e como eles vão repercutir no papel que Lula pretende cumprir na História.
Desse ponto de vista, muito mais importante que a queda do índice de popularidade é o abalo no grau de confiança da população na figura do presidente e, por consequência, no governo. Segundo o Ibope, houve redução de seis pontos porcentuais no quesito de novembro a março.
Popularidade e confiabilidade são conceitos diferentes.
Lula é popular por uma série de razões que não necessariamente guardam relação com seus reais atributos de governante. É o personagem preponderante na política, está todos os dias nos jornais, na televisão, no rádio, seu nome é dito e repetido em toda parte, a todo instante.
Popularidade se ganha, se perde e se recupera com relativa facilidade, bastando saber manejar com competência circunstâncias, emoções, características culturais do ambiente, simbologias e atributos pessoais.
Confiabilidade é outra coisa. É prima-irmã da credibilidade e, uma vez perdida, dificilmente é retomada. Principalmente se a perda é acelerada como a registrada na pesquisa Ibope.
O instituto Datafolha apontou o detalhe objetivo: 50% da população não acredita na afirmação do presidente Lula de que a crise econômica passaria pelo Brasil como uma "marolinha". Há três meses, 39% diziam confiar naquelas palavras.
Essa é a perda consistente e que poderá influir no desempenho eleitoral do candidato governista à Presidência em 2010, seja a ministra Dilma Rousseff ou qualquer outro nome.
Se o presidente fiador da candidatura é popular, a eleição municipal de 2008 mostrou que aos olhos do eleitorado isso não tem necessariamente influência sobre a opção de voto. A qualidade é pessoal e intransferível.
Agora, se o chefe do governo não é confiável, a desconfiança tende a contaminar a candidatura, pois ela é uma representação institucional. Uma característica fala sobre a simpatia despertada pela pessoa física, a outra diz respeito à avaliação de desempenho da figura jurídica.
Lula chegando com altos índices de popularidade em 2010, tanto melhor para a candidatura oficial. Mas, chegar lá com um grau razoável de confiabilidade será essencial.
Mais não seja, para entrar pela porta da frente na História.
Agenda do eleitor
Os índices de intenção de votos nos prováveis candidatos a presidente em 2010 se mantiveram praticamente os mesmos em relação à última pesquisa do Datafolha. A economia mexeu com a avaliação do presidente, mas passou longe da eleição.
Indica que o governador José Serra talvez esteja certo em resistir aos apelos para entrar na campanha eleitoral desde já. No momento, a crise está em primeiro lugar na escala de prioridades do eleitorado.
A dianteira de Serra, com 41% das preferências, contra 17% de Aécio Neves, 16% de Ciro Gomes, 11% de Dilma Rousseff e 11% para Heloísa Helena, também explica por que o governador não quer antecipar o embate.
Os oponentes, em desvantagem, precisam se movimentar. Mas a ele a paralisia favorece. No mínimo não corre o risco de provocar alterações de humor eleitoral numa hora em que o mar não está para peixe.
Resistência
A ex-senadora Heloisa Helena está fora de cena há mais de dois anos. No entanto, resiste emparelhada com Dilma Rousseff, em cena diariamente há um ano