Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 28, 2009

A portabilidade acirra a guerra das operadoras de celular

As operadoras vão à guerra

Com a portabilidade, a disputa por mercado travada pelas
empresas de celular acirrou-se. Na briga, vale distribuir
aparelho de graça – e até pagar pelas ligações do cliente


Cíntia Borsato

Steve Craft /Corbis/Latinstock


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A guerra por mercado travada entre as operadoras de celular, que já era acirrada no Brasil, ganhou novo ímpeto. A causa disso é a portabilidade, regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que permite às pessoas trocar de operadora sem mudar o número de telefone – processo que não leva mais do que cinco dias. O sistema, que passou a vigorar em todos os estados há apenas um mês, facilitou a migração de clientes de uma empresa para outra. Até agora, cerca de 350 000 pessoas fizeram uso da portabilidade. Chama mais atenção, no entanto, a previsão para 2014, quando nada menos do que 24 milhões de brasileiros deverão ter trocado de operadora por esse sistema. Com medo de uma revoada de clientes, as empresas reagiram de pronto – e com intensidade jamais vista – distribuindo celulares e oferecendo ligações gratuitas. O resultado para a Claro e a Oi, duas das maiores do mercado, foi uma queda nas margens operacionais, aquele dinheiro que sobra antes de descontados impostos e demais obrigações financeiras. Esse medidor traduz a capacidade de uma empresa de fazer caixa. "A queda nas margens indica que as empresas estão gastando mais para atrair novos clientes ou reter os antigos e estão perdendo receita por causa das ofertas", diz o consultor Eduardo Tude. Elas não têm escolha. A TIM, que foi na contramão, amargou a debandada de 690 000 clientes em 2009.

Lailson Santos
A ESCALA AJUDA
Erik Fernandes, diretor de marketing da Claro: o fato de a empresa conseguir comprar aparelhos a preços mais baixos é decisivo para o negócio


A disputa entre as telefônicas, é verdade, já se havia acentuado depois da fusão da Oi com a Brasil Telecom, em novembro. Antes, a participação da Oi no mercado era de 14%, cerca da metade de cada uma de suas principais concorrentes, e a da Brasil Telecom não passava de 4%. Hoje juntas, elas respondem por 20% das vendas de celulares no país. A nova empresa, que até o fim do ano deve assumir o nome Oi, conta com o capital de giro proveniente dos negócios de telefonia fixa, setor em que hoje ocupa a liderança, para ampliar seu mercado em celulares. É basicamente com esse dinheiro que ela patrocina ofertas em que chega a pagar pelas ligações dos clientes. O objetivo é ganhar escala. "Esse é um obstáculo para nós", afirma João Silveira, diretor de mercado da Oi. Eis um exemplo de como o fato de não contar com escala atrapalha: em 2007, a Oi lançou uma campanha agressiva, em que prometia dar bons aparelhos a novos clientes – mas teve de voltar atrás porque não conseguiu com os fabricantes os mesmos preços oferecidos aos concorrentes. Enquanto a encomenda da Oi girava em torno de 15 milhões de celulares, a da América Móvil, grupo do bilionário mexicano Carlos Slim, a que pertence a Claro, chegava a 75 milhões. Maior e fortalecida agora, a Oi (junto com a Brasil Telecom) passou a ser a operadora que mais tem conquistado clientes: 1,3 milhão, só neste ano.

Pode-se dizer que a presença da Oi, aliada à portabilidade, já forçou um reposicionamento por parte das outras empresas. A Vivo, a maior do mercado, voltou-se para as classes A e B, às quais hoje destina campanhas publicitárias e pacotes de serviços – ao passo que deixa de mirar as classes C e D. Entre os clientes conquistados nos últimos seis meses, 87% são corporativos ou têm plano pós-pago. "Eles nos rendem cinco vezes mais receita do que os que têm plano pré-pago, daí o foco nesses clientes", diz Hugo Janeba, vice-presidente de marketing da empresa. É para essa mesma direção que vai a TIM, mas, nesse caso, por completa falta de opção. Ao contrário das demais operadoras, que têm negócios esparramados nas áreas de TV a cabo, internet de banda larga e telefonia fixa, a TIM só agora dá os primeiros passos fora do mercado de celulares. Começou a investir em telefonia fixa, mas ainda é coisa pequena. A penúria da Telecom Itália, dona da TIM, também não ajuda. Por essas duas razões, a empresa não conta com capital para atrair, por meio de ofertas, clientes aos milhões. Decidiu conceder benefícios àqueles que trazem mais retorno. Diz o consultor Valder Nogueira, da área de telecomunicações da Itaú Corretora: "Na guerra, a TIM foi forçada a limitar-se a um único nicho".

O que torna o desafio de vender celulares no Brasil ainda mais complicado é o próprio estágio em que se encontra o mercado. Hoje, há no país oitenta celulares para cada 100 habitantes. Isso significa que o mercado brasileiro está próximo da maturação, momento em que, segundo os analistas, a média passa a ser de 100 aparelhos para cada 100 habitantes (com a ressalva, é claro, de que alguns podem ter dois celulares, outros, nenhum). Os números brasileiros são semelhantes aos de países como Japão e Estados Unidos. Mercados já maduros podem ser encontrados na Europa: num país como a Alemanha, há 120 celulares para cada 100 habitantes.

Fotos Paul Hardy/Corbis/Latinstock, Istockphoto, Thomas Northcut e Nash Photos/Getty Images


Em 2010, espera-se que o mercado no Brasil já esteja maduro. As operadoras, então, precisarão investir na oferta de mais e mais serviços no celular. Processo que já se iniciou no mercado brasileiro. Para se ter uma ideia, a receita das operadoras obtida com serviços, como conexão de banda larga e mensagens, dobrou nos últimos três anos. A previsão é que, num prazo médio, tais serviços, que hoje respondem por 10% do faturamento das empresas, passem a responder por 40% (obviamente, o dinheiro proveniente de ligações continuará sendo o principal componente da receita das operadoras). Um novo estudo da Anatel ajuda a dimensionar o potencial desse nicho que se descortina. Com a banda larga móvel, o número de acessos à internet pelo celular saltou de 1,8 milhão para 3,2 milhões, em quatro meses apenas. Em 2010, os ingressos à rede pelo celular terão ultrapassado os acessos por meio da telefonia fixa. "Nesse novo cenário, as empresas serão obrigadas a investir mais em marketing e pesquisa para se posicionar como inovadoras", diz o consultor Eduardo Tude. É o que garantirá a sobrevivência delas daqui para a frente.

As operadoras resistiram à implantação da portabilidade – e não foi pouco. O processo consumiu quinze meses e cinquenta reuniões entre os executivos e a Anatel. Para as empresas, o sistema implicou não apenas mais concorrência como também uma adaptação tecnológica: elas foram obrigadas a investir em suas redes de transmissão de dados para que se tornassem capazes de identificar a operadora correspondente ao número chamado. Antes, o reconhecimento se dava pelo prefixo. Cada operadora tinha o seu. Com a portabilidade, os bancos de dados se unificaram e surgiu daí um sistema muito mais complexo, que rastreia as ligações dos 152 milhões de celulares em operação no Brasil – se preciso, ao mesmo tempo. Esse megabanco ainda se encarrega de registrar as ligações feitas a partir dos 40 milhões de telefones fixos no país, também abrangidos pela portabilidade. Nesse mercado, no entanto, não se vê a mesma efervescência. Como a telefonia fixa parou de crescer, os grandes grupos, que mantêm os dois negócios, preferiram focar nos celulares. Compreensível. Mesmo com a crise, o faturamento do setor, de 50 bilhões de reais em 2008, deve crescer 14% em 2009. É motivo mais do que suficiente para as operadoras apostarem tudo nessa guerra.




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