O GLOBO
A situação hoje é de grande impasse entre economistas, o que leva a previsões que vão de crescimento de até mais 2% do PIB, que é o que oficialmente o governo prevê, até menos 2%, previsto agora pelo banco Credit Suisse. A previsão de crescimento negativo de 5% do PIB, feita tempos atrás pelo Morgan Stanley, parece um ponto fora da curva. Na Comissão de Acompanhamento da Crise do Senado, os representantes do governo transmitiram a sensação predominante de que o pior já passou e a crise está equacionada.
Hoje há posição comum do Ministério da Fazenda e do Banco Central, que nem sempre comungaram dos mesmos pensamentos, de que o que precisamos agora é administrar a crise com ênfase na redução da taxa de juros e do spread bancário. Economistas de diferentes tendências e representantes do sistema bancário privado e do sistema financeiro, no entanto, têm visão radicalmente diferente.
Quem atua na área de serviços, comércio, energia elétrica residencial, não está sentindo grandes impactos, é como se nada tivesse acontecido.
O funcionalismo público federal também ajuda a segurar a situação em estados como o Rio de Janeiro ou em Brasília, que estão em situação melhor do que São Paulo ou Minas Gerais, sofrendo muito com a crise, que no momento está concentrada na indústria e na agricultura.
Sofre especialmente quem está voltado para o mercado externo, onde o efeito é arrasador.
Minas Gerais perdeu R$ 700 milhões em arrecadação de impostos nos primeiros meses do ano, porque é uma economia que se industrializou voltada para o exterior.
Os governadores do Nordeste também estão sofrendo. A Bahia está arrecadando menos do que no ano passado.
No setor siderúrgico, a situação parou de piorar, mas continua gravíssima. Existem 14 altos-fornos no país, e seis estão parados. Nunca a indústria siderúrgica passou por uma situação como essa. O lado moderno e dinâmico da economia está duramente atingido.
O governo está apostando muito em que o crédito não caiu, e os números oficiais mostram isso. Mas uma análise deles por dentro mostra outro cenário. O que está acontecendo é que, enquanto o governo comemora a volta do crédito, os pequenos empresários continuam se queixando da falta dele.
Segundo o economista José Roberto Afonso, que, como assessor técnico da Comissão de Acompanhamento da Crise no Senado, vem acompanhando a situação em posição privilegiada, o crédito ficou concentrado violentamente.
Empresas que antes pegavam dinheiro no exterior passaram a fazê-lo aqui dentro.
O melhor exemplo disso é a Petrobras, que pegou na Caixa Econômica Federal R$ 3,6 bilhões e no Banco do Brasil R$ 2 bilhões para financiamento à exportação.
Como a Petrobras não costumava tomar empréstimos internos para exportação, o fato de esse tipo de financiamento estar se recuperando não significa que a situação esteja normalizada, pois a Petrobras entrou no mercado com força, tirando lugar dos exportadores tradicionais.
Também as empresas que se financiavam no mercado de capitais com emissões, como as do empresário Eike Batista, e as imobiliárias tiveram que recorrer aos bancos oficiais, porque esse mercado acionário praticamente acabou.
O mais grave, para José Roberto Afonso, no entanto, é a questão dos derivativos cambiais, que muitas empresas fizeram em parte para se proteger das quedas de exportação, mas também para especular no mercado financeiro.
A conta não se sabe direito ainda, e esta é uma das razões por que o mercado bancário não empresta, pois não sabe se aquela empresa está endividada, e em que nível.
Há uma avaliação de que o montante possa chegar a US$ 30 bilhões. Este é também um dos fatores que mascaram a normalidade do mercado de crédito, pois os bancos ganharam com essas transações, mas não levaram, primeiro porque as empresas recorreram na Justiça, e depois porque, derrotadas nas pretensões de não pagar, transformaram a dívida em empréstimo.
Esse crédito entra nas estatísticas oficiais, mas na verdade ele não existe. Na opinião de José Roberto Afonso, essas são as razões pelas quais o sistema de crédito está travado.
Outra questão, segundo Afonso grave no momento, é a tributária. A queda de arrecadação nos três níveis — União, estados e municípios — é tremenda, maior do que a queda da economia.
O ICMS da Região Norte, em janeiro, caiu 21%. E isso se deve não apenas à redução da atividade econômica.
O descompasso entre o crescimento do consumo de energia elétrica residencial e de compras nos supermercados no Nordeste, por exemplo, e a queda da arrecadação têm uma explicação para José Roberto Afonso.
Como não há crédito no banco hoje, o maior banco do país virou o Fisco, porque não pagar imposto é uma maneira de ter crédito. A arrecadação das microempresas no primeiro bimestre deste ano caiu na casa de 50%.
As grandes empresas do país também deixaram de pagar impostos federais de maneira geral, com inadimplência perto de 20%. A multa e os juros pelo atraso são menores do que o spread bancário.
Num segundo momento, a tendência é atrasar pagamentos de serviços públicos, como coleta de lixo, energia elétrica e água. Não recolher imposto virou a grande forma de ter acesso ao crédito.
José Roberto Afonso está preocupado com os reflexos da crise na política social. Um componente básico da rede de proteção social, cuja ponta mais evidente é a Bolsa Família e agora o seguro-desemprego, são serviços sociais básicos, especialmente os de saúde e educação, áreas que dependem fundamentalmente de financiamentos de impostos, porque vivem de vinculação de verbas do Orçamento.
O sistema de vinculação é bom quando a arrecadação dispara para cima, mas tem efeitos catastróficos quando a arrecadação tem queda como a de agora. As receitas estaduais e municipais, especialmente das regiões menos desenvolvidas, estão sendo atingidas. José Roberto Afonso teme que o governo tenha dinheiro para pagar o Bolsa Família, mas não para pagar professores e médicos.
OS OLHOS AZUIS DA CRISE
A situação hoje é de grande impasse entre economistas, o que leva a previsões que vão de crescimento de até mais 2% do PIB, que é o que oficialmente o governo prevê, até menos 2%, previsto agora pelo banco Credit Suisse. A previsão de crescimento negativo de 5% do PIB, feita tempos atrás pelo Morgan Stanley, parece um ponto fora da curva. Na Comissão de Acompanhamento da Crise do Senado, os representantes do governo transmitiram a sensação predominante de que o pior já passou e a crise está equacionada.
Hoje há posição comum do Ministério da Fazenda e do Banco Central, que nem sempre comungaram dos mesmos pensamentos, de que o que precisamos agora é administrar a crise com ênfase na redução da taxa de juros e do spread bancário. Economistas de diferentes tendências e representantes do sistema bancário privado e do sistema financeiro, no entanto, têm visão radicalmente diferente.
Quem atua na área de serviços, comércio, energia elétrica residencial, não está sentindo grandes impactos, é como se nada tivesse acontecido.
O funcionalismo público federal também ajuda a segurar a situação em estados como o Rio de Janeiro ou em Brasília, que estão em situação melhor do que São Paulo ou Minas Gerais, sofrendo muito com a crise, que no momento está concentrada na indústria e na agricultura.
Sofre especialmente quem está voltado para o mercado externo, onde o efeito é arrasador.
Minas Gerais perdeu R$ 700 milhões em arrecadação de impostos nos primeiros meses do ano, porque é uma economia que se industrializou voltada para o exterior.
Os governadores do Nordeste também estão sofrendo. A Bahia está arrecadando menos do que no ano passado.
No setor siderúrgico, a situação parou de piorar, mas continua gravíssima. Existem 14 altos-fornos no país, e seis estão parados. Nunca a indústria siderúrgica passou por uma situação como essa. O lado moderno e dinâmico da economia está duramente atingido.
O governo está apostando muito em que o crédito não caiu, e os números oficiais mostram isso. Mas uma análise deles por dentro mostra outro cenário. O que está acontecendo é que, enquanto o governo comemora a volta do crédito, os pequenos empresários continuam se queixando da falta dele.
Segundo o economista José Roberto Afonso, que, como assessor técnico da Comissão de Acompanhamento da Crise no Senado, vem acompanhando a situação em posição privilegiada, o crédito ficou concentrado violentamente.
Empresas que antes pegavam dinheiro no exterior passaram a fazê-lo aqui dentro.
O melhor exemplo disso é a Petrobras, que pegou na Caixa Econômica Federal R$ 3,6 bilhões e no Banco do Brasil R$ 2 bilhões para financiamento à exportação.
Como a Petrobras não costumava tomar empréstimos internos para exportação, o fato de esse tipo de financiamento estar se recuperando não significa que a situação esteja normalizada, pois a Petrobras entrou no mercado com força, tirando lugar dos exportadores tradicionais.
Também as empresas que se financiavam no mercado de capitais com emissões, como as do empresário Eike Batista, e as imobiliárias tiveram que recorrer aos bancos oficiais, porque esse mercado acionário praticamente acabou.
O mais grave, para José Roberto Afonso, no entanto, é a questão dos derivativos cambiais, que muitas empresas fizeram em parte para se proteger das quedas de exportação, mas também para especular no mercado financeiro.
A conta não se sabe direito ainda, e esta é uma das razões por que o mercado bancário não empresta, pois não sabe se aquela empresa está endividada, e em que nível.
Há uma avaliação de que o montante possa chegar a US$ 30 bilhões. Este é também um dos fatores que mascaram a normalidade do mercado de crédito, pois os bancos ganharam com essas transações, mas não levaram, primeiro porque as empresas recorreram na Justiça, e depois porque, derrotadas nas pretensões de não pagar, transformaram a dívida em empréstimo.
Esse crédito entra nas estatísticas oficiais, mas na verdade ele não existe. Na opinião de José Roberto Afonso, essas são as razões pelas quais o sistema de crédito está travado.
Outra questão, segundo Afonso grave no momento, é a tributária. A queda de arrecadação nos três níveis — União, estados e municípios — é tremenda, maior do que a queda da economia.
O ICMS da Região Norte, em janeiro, caiu 21%. E isso se deve não apenas à redução da atividade econômica.
O descompasso entre o crescimento do consumo de energia elétrica residencial e de compras nos supermercados no Nordeste, por exemplo, e a queda da arrecadação têm uma explicação para José Roberto Afonso.
Como não há crédito no banco hoje, o maior banco do país virou o Fisco, porque não pagar imposto é uma maneira de ter crédito. A arrecadação das microempresas no primeiro bimestre deste ano caiu na casa de 50%.
As grandes empresas do país também deixaram de pagar impostos federais de maneira geral, com inadimplência perto de 20%. A multa e os juros pelo atraso são menores do que o spread bancário.
Num segundo momento, a tendência é atrasar pagamentos de serviços públicos, como coleta de lixo, energia elétrica e água. Não recolher imposto virou a grande forma de ter acesso ao crédito.
José Roberto Afonso está preocupado com os reflexos da crise na política social. Um componente básico da rede de proteção social, cuja ponta mais evidente é a Bolsa Família e agora o seguro-desemprego, são serviços sociais básicos, especialmente os de saúde e educação, áreas que dependem fundamentalmente de financiamentos de impostos, porque vivem de vinculação de verbas do Orçamento.
O sistema de vinculação é bom quando a arrecadação dispara para cima, mas tem efeitos catastróficos quando a arrecadação tem queda como a de agora. As receitas estaduais e municipais, especialmente das regiões menos desenvolvidas, estão sendo atingidas. José Roberto Afonso teme que o governo tenha dinheiro para pagar o Bolsa Família, mas não para pagar professores e médicos.