Tido como "político de bastidores", o democrata Kassab
mostra que é bom de voto e firma-se como liderança nacional
Thaís Oyama e Naiara Magalhães
Otavio Dias de Oliveira |
"DIPLOMATA" Seja para apaziguar disputas no seu partido ou fechar alianças, Kassab usa as mesmas armas: lógica de engenheiro e paciência oriental. Neto de libaneses, sabe ser frio quando considera preciso, mas não faz adversários desnecessários |
Na escada do poder, o prefeito Gilberto Kassab galgou bem mais do que um degrau ao derrotar em São Paulo, por uma diferença de 1,34 milhão de votos, a petista Marta Suplicy. Além de conquistar para o DEM, desta vez pelo voto, o comando da maior, mais rica e mais influente cidade brasileira – e salvar o partido da humilhação de emergir das urnas menor do que o esquálido PP –, Kassab oficializou sua entrada em um seletíssimo clube: o dos que vão ajudar a definir o cenário das eleições presidenciais de 2010. No seu caso, na qualidade de peça-chave da cada vez mais irrevogável candidatura do tucano José Serra.
Antes de se transformar na estrela mais fulgurante do DEM, Kassab era tido como um político de bastidores. Apontado por aliados e adversários como articulador talentoso, apaziguou brigas titânicas em seu partido (como a que ACM travou com Jorge Bornhausen em 2003, ao acusar o então presidente do PFL de "roubar" recursos para privilegiar grupos políticos), arquitetou a dobradinha que levou o tucano Geraldo Alckmin ao governo de São Paulo em 2002, tendo como vice o pefelista Cláudio Lembo, e, mais recentemente, costurou a aliança do DEM com o PMDB de Orestes Quércia – o que rendeu à sua campanha preciosos sete minutos e meio de propaganda na TV e a Serra mais um aliado em 2010. O prefeito, dizem os amigos, é um diplomata nato. Para convencer litigantes sobre a conveniência de um armistício, ou adversários sobre a necessidade de um acordo, usa táticas parecidas: leva para uma das partes o resultado da conversa que teve com a outra, tratando de transmitir à primeira apenas comentários selecionados feitos pela segunda, e, em vez de citar os aspectos em que ambas divergem, enfatiza os pontos que têm em comum. Além disso, coloca sempre na mesa um cenário futuro, que desenha com lógica de engenheiro e paciência oriental. Dessa maneira, procura mostrar que, se no presente a conciliação ou o acordo implicam concessões desagradáveis, lá adiante renderão dividendos muito compensadores.
Kassab também tem fama de aliado leal. Construiu-a mostrando apreço por alguns valores bastante caros aos políticos, como o respeito à fila. Só chama Bornhausen de "kaiser", faz questão de escutar (ou ao menos fingir que escuta) o conselho de veteranos democratas como Lembo e Guilherme Afif e, desde que foi indicado candidato a vice na chapa de Serra, não se cansa de oferecer ao tucano intensas demonstrações de fidelidade, públicas e privadas: a primeira declaração que deu ao suceder ao governador de São Paulo na prefeitura, em 2006, foi de que a sua gestão seria "uma continuidade da administração Serra". E a primeira coisa que fez depois de se reeleger foi dedicar o resultado das urnas ao tucano, a quem se referiu por treze vezes no discurso da vitória.
Lailson Santos |
SORRIA, MEU BEM, SORRIA A Serra, que no início foi contra a indicação de seu nome para vice-prefeito, Kassab não se cansa de dar demonstrações de lealdade: no discurso de vitória, referiu-se ao tucano treze vezes |
Kassab sabe ser frio quando lhe parece necessário: nos anos 90, por exemplo, trabalhou para empurrar para o PTB Antonio Cabrera, então "dono" do PFL em São Paulo – posto que ele pretendia e que assumiu em seguida. Mas não faz inimigos desnecessários. "O Gilberto não é de pisar no pescoço de ninguém", diz um colega de partido. "Pelo contrário: estende a mão para o adversário sempre que o vê por baixo. Evidentemente, pensando no futuro." Kassab sempre teve uma relação difícil com Alckmin, e ela esteve longe de melhorar durante a campanha. Logo depois de vencer o tucano no primeiro turno, no entanto, ligou para ele e, em 13 de outubro, foi ao seu encontro. Conversaram a sós e, no dia seguinte, Alckmin apareceu de surpresa num café onde Kassab fazia campanha, para declarar-lhe seu apoio e posar para fotos – sorrindo amarelo, mas sorrindo.
Kassab já se pode considerar credor do DEM. Foi graças a ele que o ex-PFL saiu das urnas vivo – e até que com boa saúde. Com a vitória em São Paulo, a sigla somou mais uma prefeitura ao grupo de capitais e cidades com mais de 200 000 eleitores sob seu comando e, em relação a 2000, conseguiu aumentar em quase 1 milhão o número de eleitores que vai governar nos municípios nos próximos quatro anos. Segundo o cientista político Rubens Figueiredo, o resultado, além de assegurar três requisitos fundamentais para a sobrevivência de uma sigla – orçamentos robustos, visibilidade nacional e capacidade de influenciar as próximas disputas eleitorais –, deve contribuir para o estancamento do processo de desidratação que o DEM vem sofrendo desde que foi desapropriado de suas práticas anacrônicas nos grotões. O avanço do "coronelismo federal", praticado pelo PT por meio do Bolsa Família, enfraqueceu o DEM no seu reduto tradicional, a Região Nordeste. Mas isso não foi de todo ruim. Para compensar as perdas e não entrar para a mesma categoria do mico-leão-dourado, o partido, que já vinha cavando seu espaço junto à classe média urbana, teve de se modernizar: construiu um sólido discurso antitaxas, tomou a frente da oposição, renovou sua direção e mudou de nome. Hoje, é o maior partido do Sudeste em número de eleitores governados.
Para manter essa trajetória, no entanto, duas providências são indispensáveis ao DEM, segundo o cientista político Bolívar Lamounier: formar novas lideranças, como Kassab, e permanecer de mãos dadas com o PSDB, ao menos por enquanto. Se isso será suficiente para garantir a sobrevivência da legenda a longo prazo é difícil saber. Já o futuro de Kassab é mais cristalino. O "ex-secretário de Pitta", que assumiu a vice-prefeitura de São Paulo sob olhares generalizados de desconfiança, encerrou sua primeira gestão como prefeito com 60% de aprovação e sem um único registro de escândalo de corrupção – no que, justiça seja feita, em muito contribuiu o secretário Andrea Matarazzo, que administrou com rigores de xerife aquilo que já foi um antro de gatunagem, desídia e fisiologismo: a área das subprefeituras paulistanas. Trata-se de um feito, convenhamos, prodigioso. Aos 48 anos, com uma ficha de bons serviços limpa e um patrimônio de 3,8 milhões de votos, Gilberto Kassab pode ambicionar subir vários degraus na escada do poder.