Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 01, 2008

Roberto Pompeu de Toledo

O que esperar dos prefeitos

"Que eles tenham em mente a grandeza e a
complexidade deste invento humano que é a cidade,
anterior, e mais engenhoso, aos da província e do país"

A primeira coisa a esperar dos novos prefeitos, ou dos antigos que conseguiram renovar o mandato, é que gostem de ser prefeitos. Se o leitor estranha tão singelo desejo, pense no infeliz prefeito Cesar Maia, entediado até o fundo da alma, o gabinete de chefe do Executivo municipal a pesar-lhe como cela de prisioneiro, o laptop em que batuca o seu blog a servir-lhe de consolo para o infortúnio como o violão ao menestrel desiludido. Prefeito que não gosta de ser prefeito é caso mais freqüente do que se pensa. Político que ganha uma prefeitura é tentado a pensar que prefeitura é pouco para seus talentos e merecimentos. Seria apenas uma escala na viagem, o purgatório a aturar antes de galgar ao céu do governo estadual, talvez mesmo à Presidência (por que não, para quem acaba de ganhar a eleição numa grande capital?) ou no mínimo às delícias de uma deputação ou uma senatoria.

A segunda coisa a esperar, decorrente da primeira, é que permaneçam no cargo até o fim do mandato. Político está sempre pensando no próximo lance, como se sabe. Aliás, mais do que político, o analista político está sempre pensando no próximo lance. Mais se viu na imprensa artigo sobre o efeito do resultado da eleição municipal no quadro partidário ou na eleição presidencial do que naquilo que interessa, ou seja: na cidade. Muito se fala na febre de previsões que assola os economistas, mas a de que sofrem os comentaristas políticos a supera. O político, açulado pelo analista político, tende a ser tomado pela volúpia de querer mais, e com tal urgência que no meio do mandato já deixa o município para tentar a sorte num âmbito maior.

Ou melhor: supostamente maior. A terceira coisa a esperar dos novos prefeitos é que atentem para a grandeza e a complexidade deste invento humano que é a cidade, anterior, e muito mais engenhoso, aos da província e do país. A cidade surge no momento em que a espécie humana é assaltada pela necessidade de viver em vizinhança e empreender atividades dependentes umas das outras. Não é à toa que da palavra "cidade" derivem "cidadão" e "cidadania", e que de "civitas", a ancestral latina de "cidade", decorram "civilidade" e "civilização". Um velho documento da história do Brasil, o diário de viagem de Martim Afonso de Sousa, afirma que esse oficial da coroa portuguesa criou duas vilas no que viria a ser o território paulista, de forma que seus habitantes pudessem "viver em comunicação das artes" e usufruir de "uma vida segura e conversável".

Eis resumidos, na graça da linguagem quinhentista, alguns dos fundamentos da vida em cidades. Por "comunicação das artes", devem-se entender o inter-relacionamento entre os vários ofícios e o intercâmbio de serviços e mercadorias daí decorrente. Na referência à vida "conversável", "conversar" equivale a "conviver", mas não deixa de ter também o sentido que hoje emprestamos a "conversar" quando se tem em conta que conviver é falar com o outro. A cidade, lembra-nos esta palavra "conversável", tão bonita, ao modo em que está inserida no texto, é o lugar em que as pessoas se falam umas com as outras.

A quarta coisa a esperar dos prefeitos é que se dêem bem com os governadores. Esse item é dedicado em especial (talvez se devesse dizer em exclusividade) aos prefeitos das capitais. Uma capital estadual é lugar pequeno demais para abrigar um prefeito e um governador com turmas e ambições divergentes, e, quanto maior e mais importante for a capital, menor será para esse fim. Os espaços de atuação do prefeito da capital e do governador são tão próximos que às vezes se confundem. Movem-se, um e outro, a um passo do curto-circuito. A hostilidade entre ambos, tão comum na história brasileira, pode resultar fatal para as cidades como o bombardeio por uma força inimiga.

A quinta coisa talvez seja a mais utópica, mas vá lá: espera-se dos prefeitos que não tenham como horizonte apenas seus quatro (ou oito) anos de mandato. Político gosta é de inaugurar, e se não tem a inauguração ao alcance do mandato tende a pensar duas vezes antes de iniciar a empreitada. Esse é um dos motivos pelos quais as grandes cidades brasileiras estão tão atrasadas na mais crucial das obras para a questão do trânsito – a montagem de uma capilar rede de metrô.

Arquivo do blog