Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 15, 2008

Povoados podem deixar de ser municípios

Cidades fora do mapa

O Supremo Tribunal Federal pode extinguir uma
penca de municípios. Na maioria dos casos, eles
foram criados apenas para abocanhar verbas federais


Igor Paulin

Fotos Liane Neves

DE MUNICÍPIO A CONDOMÍNIO
O prefeito Lauri Gisch sonha em transformar a gaúcha Forquetinha em um condomínio de luxo: "Isto aqui é uma ilha de prosperidade"

Cinqüenta e seis municípios correm o risco de desaparecer do mapa nacional nos próximos meses. Todos foram criados irregularmente. Em setembro de 1996, o Congresso aprovou uma emenda constitucional que transferiu, dos estados para a União, a responsabilidade de disciplinar a transformação de distritos em municípios. A emenda obrigava os parlamentares a elaborar uma lei complementar com critérios bem definidos para a fundação de cidades. Os projetos que tratam do assunto nunca foram votados, mas novos municípios continuaram a pipocar. Na tentativa de acabar com a baderna, há um ano e meio o Supremo Tribunal Federal resolveu dar um prazo aos parlamentares para editar a tal lei: maio do próximo ano. Se nada for feito até lá, os distritos que ganharam autonomia a partir de 1996 serão reincorporados às suas cidades de origem. Os respectivos prefeitos e vereadores perderão o mandato e os funcionários municipais, o emprego. "Até maio, há tempo hábil para que o Congresso aprove uma lei para evitar que essas cidades sumam – cidades que, a rigor, nem poderiam ter sido criadas", diz o presidente do Supremo, Gilmar Mendes.

A lista dos 56 municípios passíveis de extinção inclui 29 cidades gaúchas. Todas foram instituídas em um único dia, 16 de abril de 1996 – antes, portanto, da aprovação da emenda constitucional que federalizou as regras para a criação de cidades. O problema é que seu processo de emancipação teria infringido as leis estaduais então vigentes. Não teria atendido, por exemplo, o requisito de número mínimo de eleitores. Por isso, a existência desses municípios é contestada nos tribunais desde o início. Ainda em 1996, a Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul chegou a proibir que eles realizassem eleições – decisão reformada depois pelo Tribunal Superior Eleitoral. No mesmo ano, o governador Antonio Britto entrou com uma ação no Supremo para extingui-los. Esse processo ainda aguarda julgamento.

"CIDADE DE PRIMEIRA"
Coqueiro Baixo e seu prefeito Verísimo Caumo: a cidade ganhou esse apelido porque é tão pequena que acaba quando se passa à segunda marcha

Não importa qual seja a confusão jurídica, o fato é que tornar-se município, na maioria dos casos, serve a um único propósito: receber mais dinheiro do caixa do governo federal. O objeto da esperteza é o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), composto com recursos do imposto de renda (IR) e do imposto sobre produtos industrializados (IPI). Principal fonte de dinheiro de 81% dos municípios brasileiros, o fundo é distribuído de acordo com a população de cada cidade. Pela regra, quem tem menos de 10 200 habitantes faz jus ao piso do FPM, hoje de 3 milhões de reais por ano. Por isso, é vantajoso que municípios pequenos se subdividam. Coqueiro Baixo, na Serra Gaúcha, é um caso típico. Ao se separar de Nova Bréscia, o que eram 3 milhões virou 6 milhões: o município antigo continuou a receber o piso e o novo passou a embolsar a parte que lhe cabia. Forquetinha, na mesma região do Rio Grande do Sul, era apenas um distrito de Lajeado, que tem 70 000 habitantes. Em 2001, seus 2 600 moradores ganharam autonomia. Desde então, o FPM responde por metade da receita do lugarejo. Agora, endinheirada, Forquetinha ambiciona converter-se em uma espécie de condomínio de luxo.

O FPM acaba servindo para sustentar uma casta de privilegiados, já que cada novo município precisa ter prefeito, vice, vereadores e um batalhão de servidores públicos. "A eleição nessas cidades minúsculas parece uma escolha de síndico. Com a diferença de que muita gente quer o cargo", diz o economista Fernando Montoro, do Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal, de São Paulo. Nem todos os municípios hoje na berlinda foram criados para satisfazer apetites fisiológicos. Mesquita, no Rio de Janeiro, por exemplo, tem 190 000 habitantes e total autonomia financeira. Já Luís Eduardo Magalhães, no cerrado baiano, conta com uma população de 50 000 moradores e é o centro de uma das agriculturas e pecuárias mais pujantes do interior do país. Se o Congresso tivesse aprovado uma lei para disciplinar a criação de municípios, o trigo não estaria misturado ao joio.

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