Logo, são importantes aqueles R$ 8 bilhões que o Banco do Brasil e a Nossa Caixa prometeram repassar a bancos de montadoras e outras financeiras para que estas, por sua vez, emprestem aos consumidores. O dinheiro representa quase 10% do crédito total.
Vai dar certo?
Depende do grau de confiança dos envolvidos na parte final do negócio.
Banco do Brasil e Nossa Caixa vão emprestar a bancos e financeiras porque o governo decidiu assim. Não foi uma decisão baseada em análise do mercado. Simplesmente, o governo federal e o governo paulista (dono da Nossa Caixa) resolveram fazer isso para estimular um setor importante. Assumiram um risco financeiro, mas por uma escolha política.
Agora, daí para a frente, a política não vale mais. Bancos de montadoras e financeiras vão pagar pelo dinheiro do Banco do Brasil e da Nossa Caixa. Logo, vão cobrar dos clientes para tomar o risco de conceder o empréstimo. E, por certo, vão exigir juros mais altos e prazos mais curtos, além de uma análise rigorosa da ficha de cada cliente, já que todos os sinais mostram que o País entra num período de desaceleração. Ou seja, os clientes podem vir a ter dificuldades para pagar as prestações.
Estariam estes bancos e financeiras sendo gananciosos ou até mesmo impatrióticos?
Não é simples assim. Governantes podem mandar bancos públicos fazer isso ou aquilo porque, em termos bem simples, o dinheiro não é deles. Suponha que o negócio dê errado - que Banco do Brasil e Nossa Caixa não recebam de volta o que emprestaram. Isso representará um prejuízo para os acionistas dessas instituições, que são o governo federal, o governo paulista e mais as centenas de milhares de pessoas e fundos privados.
E o que acontecerá com o presidente Lula e com o governador José Serra, que ordenaram a operação? Considerando os precedentes brasileiros, nada. Ninguém aqui foi para a cadeia por quebrar um banco público. E bancos públicos, aqui - inclusive os dois envolvidos nesta história -, já foram resgatados com mais dinheiro do contribuinte.
Mas, se os bancos e financeiras privados perdem dinheiro, perdido está. Podem quebrar e, mesmo que venham a ser resgatados pelo governo, os acionistas, os donos, perdem a propriedade, que é estatizada ou passada para outro banco.
No outro lado da história está o comprador do automóvel e tomador do empréstimo. Ele fará o negócio se os custos couberem no seu bolso e - mais importante - se tiver confiança de que vai manter a sua renda e o seu emprego pelos próximos meses.
No caso da questão concreta, a relação renda-custo, é só fazer a conta. Sabendo que os empréstimos estão mais caros, diminui o número de pessoas que podem tomá-los. Há um cálculo, entre os bancos, pelo qual um aumento de R$ 25 no valor da prestação exclui nada menos que 1 milhão de pessoas do universo de tomadores de empréstimos.
No caso da confiança, é sentimento. Claro que a pessoa pode fazer uma análise objetiva de seu futuro na empresa em que trabalha ou do andamento de seu negócio. Mas em cima disso tem a psicologia, com uma variável enorme de percepções subjetivas a formar, ou não, a confiança no futuro.
Entram aí, claro, todo o noticiário em torno da crise - que tem sido pesado - e os fatos que a pessoa vai observando em torno de suas relações: cortes de gastos ou demissões no trabalho, problemas com familiares e amigos, etc.
E há aqui outro fator que talvez pela primeira vez tenha um impacto forte no Brasil: a sensação de perda de riqueza com a enorme queda da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).
De uns anos para cá, aumentou de modo expressivo o número de pessoas que passaram a aplicar suas poupanças em ações. A estabilidade macroeconômica e uma série de reformas na legislação ampliaram o mercado de capitais: mais empresas entraram na bolsa e mais investidores compraram suas ações.
Fundos passaram a aceitar aplicações com muito pouco dinheiro. Regras abriram a possibilidade para que trabalhadores utilizassem parte de seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) na aquisição de ações da Vale e da Petrobrás.
O farto noticiário sobre os anos gloriosos das ações fez o resto do serviço.
Agora, todos sentem a perda, que é pesada. Outro dia, um funcionário do Aeroporto de Congonhas me contou sua história: ele e sua mulher haviam utilizado o FGTS para comprar papéis da Vale. Juntos, tinham adquirido algo como R$ 8 mil em ações. No auge, chegaram a ter mais de R$ 35 mil.
No momento em que conversávamos eles tinham R$ 23 mil e sabiam que, se o dinheiro tivesse ficado no FGTS, não teriam mais que R$ 10 mil.
Comentei: "Então ainda está no lucro."
E o funcionário: "É, mas eram R$ 35 mil."
A pessoa incorpora aquele dinheiro, passa a ser seu, entra nos planos. Mas, de repente, ele some.
Hoje, a maioria dos investidores parece estar pensando que essa crise é um tsunami que vai passar e que a bolsa vai voltar aos 70 mil pontos. Quando perceberem que isso, no mínimo, vai demorar muito, vai dar um baita baixo-astral. E isso tem repercussões no consumo e na política, certamente.
*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Site: www.sardenberg.com.br