O eleito esta semana nos Estados Unidos será escolhido por um eleitorado majoritariamente branco, numa população que vive um processo intenso de mudanças e misturas. Obama é a cara da nova cara americana. John McCain não conseguiu renovar a velha América. Essa é a razão da vantagem dos democratas. Nesta fascinante eleição há inúmeras surpresas, estudos, emoções e dúvidas.
Em 2006, nas eleições legislativas, 81% dos eleitores inscritos eram brancos. E os brancos tinham um percentual de comparecimento maior. Nesta eleição para presidente, os não brancos se inscreveram maciçamente e se sentem representados.
Os mais jovens são menos brancos do que os mais velhos. Há muitas facetas da diversidade americana que não cabem apenas nas divisões conhecidas, como as de que 12% da população são negros, 12,5% hispânicos e latinos.
O Census Bureau registra como “foreign born”, ou seja, nascidos em outros países, 34 milhões de habitantes dos EUA. Sem contar os milhões nascidos lá, filhos da imigração recente. Os filhos com um dos pais americano, mesmo tendo nascido fora do país, estão na lista dos “native”. Entre os “foreign born”, 53% nasceram na América Latina e 25% na Ásia. Nem todos têm cidadania americana. Nas primárias, os hispânicos se identificaram mais com Hillary Clinton, mas agora, a maioria se uniu em torno de Obama. A diversidade americana tem inúmeros arranjos, origens, misturas, mas, em seu conjunto, ela é o retrato de uma sociedade em mutação, que, por todos os motivos, se acha mais parecida com Barack Obama.
John McCain chega em desvantagem na reta final, porque errou mais e foi perdendo identidade ao longo da campanha. O McCain original tinha posições renovadoras na área da mudança climática e em relação à imigração e à tortura. Poderia ter sido uma nova direita.
Ao longo da campanha, seu discurso foi envelhecendo.
No fim, seu apelo anticomunista lembrava a bandeira surrada que mobilizou os Estados Unidos na Guerra Fria. Os conservadores já tiveram ondas fortes, como a que Ronald Reagan promoveu.
O naufrágio econômico diminuiu suas chances de criar uma nova onda conservadora.
Pela regra eleitoral americana, quem ganha num estado leva todos os votos do colégio eleitoral daquele estado.
Só dois têm regras diferentes, os pequenos Maine e Nebraska. Por isso, teoricamente, basta ganhar em 11 estados mais populosos.
Isso nunca acontece, pelos diferentes padrões de voto. Há os que são republicanos, os que são democratas, e há o grupo dos estados que mudam. Esse grupo de estados decisivos cresce, diminui, muda a cada eleição. Alguns, que antes eram preferencialmente republicanos, viraram estados que podem pender para um lado ou outro: os swing states ou battleground.
Um estudo do Population Reference Bureau mostrou um detalhe curioso nestes estados antes preferencialmente republicanos e agora swing states: em vários deles, a população em idade de votar não branca cresce em índices maiores do que o crescimento médio da população em idade de votar.
Na Virgínia, a população em idade de votar aumentou 10%, mas os hispânicos em idade de votar aumentaram 51%. No aumento total dos em idade de votar, 21% são hispânicos, 21% são afroamericanos, 15% são asiáticoamericanos. Na Carolina do Norte, a população total cresceu 12%, os hispânicos 53%, e a participação dos afro-americanos no aumento total da população em idade de votar foi de 23%. Esse padrão demográfico é o responsável pela mudança no padrão de voto do estado? É uma aposta.
Tenho ouvido economistas do mercado financeiro brasileiro afirmarem que, se o eleito for Barack Obama, as bolsas vão se recuperar.
A eleição marcaria a volta da recuperação dos ativos.
O candidato democrata virou uma pomada curativa de todos os males. Os economistas tentam uma explicação racional para o que é apenas uma torcida.
Talvez menos por Obama, e mais pelo fim do desatino dos mercados. A explicação deles é que os Estados Unidos voltarão a ter um centro de gravidade, um país com um poder definido. A idéia é que a crise foi agravada pela sensação de fragilidade do poder cadente de um presidente impopular e de baixo desempenho.
Mas o novo presidente, seja quem for, terá um difícil começo e desafios abrumadores. Os Estados Unidos estarão colhendo, no começo do ano que vem, os terríveis números desse quarto trimestre nas contas nacionais e nos balanços das empresas. O país em recessão, o desemprego crescendo, as empresas quebrando, o déficit público em níveis inimagináveis e todas aquelas urgências da hora pedindo mais gastos públicos. Passado o difícil começo, virá outro desafio, mais permanente.
Chegou exatamente agora a hora de os baby boomers se aposentarem. A pirâmide demográfica americana tem uma espécie de pneu, uma parte mais gorda, exatamente na população entre 50 e 60 anos.
Entre 2000 e 2005, a população entre 55 e 59 anos cresceu 29%. A conta da previdência pública ficará alta demais, os fundos de pensão privados perderam riqueza com a crise.
Nada é simples nessa fascinante eleição realizada em tempos de crise. Se Barack Obama for eleito, o primeiro presidente negro da história americana produzirá transformações sociais muito além da fronteira.
Toda criança negra, de qualquer país, do mundo; toda criança, de qualquer grupo discriminado, crescerá recebendo a mensagem de que barreiras podem ser superadas. Mesmo as que pareciam intransponíveis.
Entrevista:O Estado inteligente
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