Deve-se esclarecer que ainda estamos na "Fase 1" do problema, durante a qual os agentes econômicos reagem de forma racional do ponto de vista individual, mas francamente irracional se analisarmos a situação levando em conta o aspecto coletivo. É esse tipo de comportamento que tem levado à desoladora seca das carteiras de crédito nos pequenos bancos, simultaneamente ao seu empoçamento em grandes instituições, que por sua vez se defendem criando um "muro de liquidez". Com medo de voltar a emprestar, os bancos têm apenas uma preocupação: cuidar da própria saúde financeira num momento marcado por desconfiança generalizada.
Ironicamente, os recursos do "muro de liquidez" não vêm apenas das facilidades proporcionadas pelo Banco Central (BC) no manejo dos depósitos compulsórios. Vêm da transfusão monetária que alguns tesoureiros estariam fazendo das pequenas para as grandes instituições, sobressaltados pela idéia de que, se nos EUA um banco do porte do Lehman Brothers quebra, por que no Brasil, com todo um prontuário de submissão às crises financeiras de grande poder combustível, ele escaparia?
O fato é que, desta vez, embora seja difícil de acreditar, seguramente o Brasil não é o portador do vírus. No mundo do subprime, ao contrário das outras vezes, a crise não surge da debilidade fiscal com que alguns gestores de países emergentes tratavam o setor público, até contagiar as relações financeiras do mundo desenvolvido. Em 2008, a bolha alimentada pelo setor privado dos países ricos proliferou sob as mais diferentes formas de mutação até chegar aos países periféricos, como está acontecendo hoje com o Brasil.
O ponto, então, é como organizar uma saída rápida da "Fase 1", porque ainda temos toda a "Fase 2" (quando o pior, de fato, acontece) pela frente: novo patamar da taxa de câmbio, volta da inflação e necessidade do remédio amargo da elevação dos juros. Quanto menos tempo ficarmos na primeira fase - marcada pela ansiedade dos diagnósticos e pelos palpites de curiosos -, menos riscos carregaremos para a segunda. Pelo visto, estamos, de fato, mais bem preparados, mas para aquelas clássicas crises resultantes do populismo fiscal dos emergentes e não para o esgotamento de um ciclo capitalista como este a que assistimos.
A acertada fórmula Gordon Brown - que prevê a injeção maciça de capital público nas instituições financeiras, garantia de depósitos e exigência de emprestar no mercado interbancário - começa a ser adotada por aqui por meio dos bancos oficiais federais. Com a nova medida provisória, esses entes podem comprar carteiras de empréstimos e até bancos, pagando com dinheiro vivo. Contudo, só isso pode ser pouco. Além do mais, há a demora na conclusão da auditoria dos novos passivos que têm de controlar, tempo em que muito patrimônio saudável poderá estar sendo contaminado. Sem evitar que, mais adiante, a receita das exportações encolha, o investidor continue regrando o capital estrangeiro, a arrecadação tributária desabe e o emprego volte a cair.
O mundo pós-subprime será um lugar sem empréstimos fáceis, com mais regulamentação e menos crescimento. É possível que, no Brasil, fiquemos inclusive sem o PAC. Se o governo, responsável por 40% do PIB, não cortar gastos correntes significativos (pessoal, previdência, assistência social, etc.), recairá num erro recorrente do passado, que é só cortar os investimentos. Além disso, o BC sobe os juros e os investimentos privados caem.
A única maneira de eliminar de uma vez o risco de insolvência no setor público é antecipar o ingresso do País na "Fase 3": o governo vai à TV e finalmente enfrenta a realidade, convoca a população a viver com o que tem e estimula a geração de poupança própria. Está passando da hora de substituirmos discurso por trabalho duro.