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quinta-feira, novembro 06, 2008

Emoção econômica Míriam Leitão


Autor(es): Panorama Econômico
O Globo - 06/11/2008

A crise econômica americana vai piorar antes de melhorar, o déficit público vai se agravar nos programas de restaurar a economia. Os EUA vão trocar de piloto no meio de uma tempestade econômica, e o presidente eleito já prepara a transição para daqui a 75 dias. Eu deveria ficar na economia, onde há tanto a dizer. O problema é o que fazer com tantas idéias e emoções que essa eleição provoca.

O economista americano Tom Trebat, da Universidade de Columbia, lembra do risco da transição. Em 1932, Franklin Delano Roosevelt foi eleito e só tomou posse em março de 1933.

- Naqueles quatro meses de paralisia, a recessão virou depressão. Agora é menos tempo, mas é uma passagem perigosa. Será preciso trabalhar com a atual administração. Trabalhar num pacote de estímulo econômico que vai custar caro. O Congresso não terá nenhum entusiasmo com qualquer medida que pareça beneficiar os bancos, mas Obama terá que ser capaz de mostrar que um sistema financeiro sólido é benéfico para todos.

Barack Obama não terá tempo para descansar. Já montou uma equipe de transição, entre outros, com o ex-chefe da Casa Civil de Bill Clinton, John Podesta. Na economia, se cercou de Robert Rubin e Larry Summers e do ex-presidente do Fed, Paul Volcker. Mas terá que caminhar para novos nomes. Afinal, há uma troca de gerações e ele quer marcar isso. Trebat fala em Jon Corzine, governador de Nova Jersey, também ex-Goldman Sachs, e no atual presidente do Fed de Nova York, Timothy Geithner, como nomes que podem compor a nova equipe.

- Ele precisa armar um time de trabalho rapidamente - diz Tom.

Amanhã sairão dados feios de desemprego. Até a posse, sairão os vermelhos balanços das empresas. Produtores de etanol estão decretando falência, por causa da falta de crédito, custos voláteis e preços em queda.

Nenhum ser humano pode responder a tantas expectativas do mundo inteiro e de grupos tão diferentes. Portanto, Barack Obama vai decepcionar muita gente em muitos momentos. Mas um mandato presidencial pode muito. Ele já começou mudando uma questão fundamental. Aliados dos Estados Unidos no mundo inteiro voltaram a admirar a nação que sabe se reconstruir. A mesma nação que fez isso com Franklin D. Roosevelt após a devastação de 1929; que, com o Plano Marshall, ajudou até países contra os quais lutara na Segunda Guerra. O lado mais brilhante da vitória não serve apenas para alimentar a emoção. Tem função objetiva: ajuda a reconstruir a liderança legítima estraçalhada pelos erros de George Bush. O presidente que sai não está tão mal apenas pelas idéias que tem, mas pelas decisões que tomou. Após o 11 de Setembro, ele desperdiçou o patrimônio de solidariedade do mundo atropelando o Conselho de Segurança da ONU.

A vitória de Obama é um acontecimento devastadoramente importante, carregado de significado histórico e rico de interpretações. Cada leitor deve estar fazendo a sua. Recentemente, vi o filme "Boycott", com Jeffrey Wright, que reconta aquela velha e bela história de Montgomery, em que os negros boicotaram os ônibus e andaram por 381 dias até derrubarem, na Suprema Corte, a lei que, em vários estados, separava negros e brancos nos ônibus e determinava que os negros cedessem o lugar aos brancos. Foi o início da liderança de Martin Luther King.

Quantos passos foram dados na caminhada que conquistou a estrondosa vitória deste novembro? Um presidente e um líder assassinados e esforço para a redução das diferenças. Houve ação afirmativa, lei de oportunidades iguais, recrutamento ativo. O caminho da construção da elite negra, que está em postos-chave na política, em empresas, na diplomacia, não foi só um sonho solto no ar e que se realizou por inércia. No Brasil, contam-se nos dedos os governadores negros que já tivemos. Hoje, não há nenhum, num país em que o percentual de negros é quatro vezes maior do que lá.

Tom Trebat me contou da emoção dele, de cidadão americano.

- Vi a igreja de Atlanta cantando e pensei nas pessoas que tiveram que morrer. Vi o mapa dos estados e notei que os republicanos estão ficando mais nos estados do Sul, que perderam a Guerra de Secessão. O Parque de Chicago, minha terra, onde Obama fez o discurso, tem nome de (Ulisses) Grant, o general que ganhou a guerra civil. Ainda há muito a fazer para superar o passado.

De fato, mas, em 44 anos, saíram do fim da segregação para um presidente negro.

- A eleição de um negro nos EUA, parte de uma minoria de 12,8% no país, representa a mesma coisa que a eleição de um cristão em um país muçulmano - compara o cientista político Alberto de Almeida.

Uma página bonita dessa campanha foi o general Colin Powell quando aderiu à candidatura de Obama. Ele disse: "Há algo de errado em uma criança americana muçulmana de 7 anos acreditar que ele, ou ela, possa um dia ser presidente?" No Brasil, em alguns registros da imprensa, saiu "o garoto" e não se incluiu o "ela" que o general enfatizou.

O Brasil, negando como sempre negou o problema racial, descuidado como é com as mulheres, desrespeitoso como sempre foi com as minorias, confortável com a discriminação que de fato existe, está muito atrasado. A diversidade no poder será o passaporte para a entrada no século XXI.

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