Dinheiro para todos CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Agora o governo é a salvação universal. Nos Estados Unidos, os executivos da indústria automobilística nem disfarçam mais. Simplesmente dizem que vão quebrar amanhã mesmo se não receberem dinheiro do governo. Na Europa, onde o pessoal nunca gostou dessa história de capitalismo, os dirigentes estão pedindo não apenas mais governo nos países, mas uma espécie de governão mundial para botar um freio nesses mercados. No Brasil, o presidente Lula comemora os novos tempos, esse pós-crise em que todos pedem mais Estado, e diz que, da parte dele, não faltarão intervenções e mais gastos públicos.

De quebra, mandou os bancos estatais às compras.

Todo esse movimento recebeu a providencial ajuda da China, cujo governo anunciou um megaprograma de investimentos para animar a economia afetada pela desaceleração mundial.

É um bom exemplo, mas sugere que alguns governos podem gastar, como o chinês. Tem folga. O governo chinês registra superávit em seus orçamentos há muitos anos. Gasta menos do que arrecada contando todas as suas despesas: custeio, pessoal, investimentos e pagamento de juros. Já no Brasil, para iniciar as comparações, o governo só tem superávit, o primário, quando não inclui nas despesas a conta de juros.

Colocando os juros, dá déficit e isso há muitos e muitos anos.

O governo chinês tem uma dívida equivalente a 19% do Produto Interno Bruto (PIB) e arrecada de impostos algo como 20%. No Brasil, a carga tributária já passa dos 37% do PIB e a dívida líquida do setor público está em torno dos 40%. Na China, o governo gasta uns 20% do PIB, no Brasil, perto de 40%.

Está claro: o governo brasileiro não precisa aumentar, já gasta demais. E gasta mal, pois a maior parte vai para custeio, pessoal, previdência e juros e quase nada para investimentos. No período de janeiro a setembro deste ano, as despesas totais do governo federal foram de R$ 351,3 bilhões. Para investimentos, apenas R$ 18 bilhões.

Primeira conclusão: por aqui o governo deveria cortar gastos da máquina para aumentar os investimentos em infra-estrutura. Mas, pode-se dizer, tudo isso mostra que o Brasil é um caso especial e que, no geral, o gasto público, bem-feito, sempre funciona.

De novo, depende. Tome-se a China mais uma vez. O investimento total lá, público e privado, é de absurdos 42% do PIB, contra, por exemplo, 18% no Brasil. Embora esteja sob uma ditadura do Partido Comunista, a China optou pela economia de mercado desde o final dos anos 80. Hoje, apenas um terço de sua economia é diretamente controlado pelo Estado. O resto vai por conta de empresas privadas nacionais e estrangeiras. E isso nos leva de volta aos EUA. Lá o governo é menor ainda, mas está gastando uma nota para salvar bancos, sob os aplausos quase gerais, o que criou uma questão moral.

Por que não os outros? As gigantes GM, Ford e Chrysler estão na frente, mas as demandas se multiplicam.

Fabricantes de navios, siderúrgicas, todos querem sua parte nessa distribuição. Inclusive uma associação hispânica de operários da construção civil: eles querem ser contratados pelo governo para reformar casas que agências venham a comprar para liquidar hipotecas. Como não há dinheiro para todo mundo, mesmo nos EUA, é preciso fazer a fila. E como decidir quem vai para os primeiros lugares? Salvar o sistema financeiro de um colapso, isso faz sentido, pois evita o colapso de toda a economia. O colapso de montadoras de automóveis não derruba toda a economia, mas faz um estrago danado. Portanto, pode ser um caso de ajuda, como aliás se fez no Brasil, com o dinheiro fornecido por bancos públicos para financiar a compra de carros.

Mas os agricultores brasileiros também sentem a falta de crédito e bem agora na hora da safra. Não seria um uso melhor para os R$ 8 bilhões alocados para os compradores de carros? E por falar nisso, não seria mais adequado usar esse dinheiro em transporte coletivo? Eis o ponto: basta aparecer a menor oportunidade e todos querem pegar sua parte no bolo do governo, quer dizer, do contribuinte. Como todos têm um bom argumento, a escolha dos felizardos acaba sendo feita por política, lobby ou coisa pior.

Portanto, em vez de gastar mais, o governo deveria simplesmente reduzir impostos em geral, para todo mundo, igualmente, e deixar que as pessoas e as empresas gastem esse dinheiro.