Como os brasileiros estão reagindo à crise
externa e à ameaça de um ano difícil em 2009
Lucila Soares
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Um mês e meio depois da fatídica segunda-feira em que o Tesouro americano deixou o Lehman Brothers quebrar, o mundo começou a respirar a esperança de que o pior já passou. Os mercados reagiram com altas expressivas ao corte de juros nos Estados Unidos e à expectativa de que o banco central europeu faça o mesmo na semana que vem. No Brasil, o Banco Central continuou tomando medidas adequadas para normalizar a oferta de crédito e segurar a cotação do dólar. Na quarta-feira, seu Comitê de Política Monetária (Copom) interrompeu o movimento de alta nos juros, mantendo a taxa básica em 13,75%. No meio da semana, veio dos EUA um sinal também positivo. O Brasil foi incluído pelo Fed, o banco central dos Estados Unidos, entre os quatro países emergentes (os outros são Cingapura, Coréia do Sul e México) que terão acesso a operações de troca de moeda local por dólares (swap, em inglês). Ela é uma linha de crédito sem precondições de 30 bilhões de dólares. Para o economista Carlos Langoni, do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas, essa é uma chancela até mais significativa do que o grau de investimento, conquistado em abril. Diz Langoni: "Ninguém vai fazer um swap sem garantias e condicionalidades, a não ser com países em que se confia inteiramente".
Estão, portanto, todos aí os sinais de que a fase de pânico da crise chegou, se não ao fim, pelo menos ao começo do fim. A questão agora é saber qual será o poder amenizador das medidas tomadas pelos governos sobre o que costuma ser o desfecho natural das hecatombes de crédito: a recessão. Esse fenômeno é o arrefecimento da atividade econômica, que se traduz para as pessoas na forma de diminuição de renda, de qualidade de vida e, no limite, de desemprego. A questão pode ser resumida assim: as crises são globais, mas os problemas que elas trazem são pessoais. Eles serão sentidos em 2009. Felizmente, desta vez, os brasileiros têm boas chances de ser os últimos a sofrer e os primeiros a sair do inferno astral. No Brasil, nem os mais pessimistas falam abertamente em recessão. É consenso que 2009 será um ano mais difícil do que 2008, com um crescimento do PIB de 2,5% a 3%. Para quem sonhava de olhos abertos com crescimento acima de 5%, é uma pisada no freio. Ela já começa a ser sentida. O setor automobilístico e alguns fabricantes de eletrônicos deram férias coletivas a seus empregados para reduzir a produção e não entrar em 2009 com estoques muito elevados.
Na sexta-feira, a Vale anunciou um corte imediato de 10% – ou 30 milhões de toneladas na produção de minério de ferro. A decisão da Vale, que é a maior do mundo nesse setor, tem razões logísticas, como a falta de espaço para estocagem do minério não imediatamente comercializado. Tem também motivações de preço um pouco parecidas com as dos produtores de petróleo – que recomendam não inundar o mercado em períodos de escassez de demanda para preservar o preço futuro. Mas é inegável que a empresa está prevendo uma diminuição das compras de minério. Os analistas enxergam a demanda por minério de ferro como um indicador razoavelmente exato da atividade econômica global, em especial nos países emergentes. Portanto, não é de todo errado imaginar que em 2009 os emergentes devam desacelerar a economia.
Rafael Andrade/Folha Imagem |
A VALE REAGE À CRISE Agnelli, o presidente: corte de 10% da produção |
As empresas que, como a Vale, dependem do mercado externo estão revendo, para baixo, seus planos. No caso da agroindústria brasileira, a perspectiva de redução no consumo mundial já teve um primeiro efeito preocupante. Nesse setor, é de praxe que o importador estrangeiro financie a produção – por exemplo, de soja – toda ou em parte. Até agora, não tem sido possível encontrar financiadores estrangeiros para o plantio de soja e outros grãos exportáveis. Com menos dinheiro, os produtores plantarão menos. Um problema adicional é que, ao contrário do que acontece com a produção de minério ou a fabricação de automóveis, atividades que podem ser retomadas quando a situação melhorar, o plantio tem hora certa para ser feito. A natureza não pode esperar. Portanto, parece ser inevitável uma redução significativa na safra agrícola brasileira de 2009.
Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas feita em sete capitais brasileiras mostra que 30,6% dos consumidores acham que a situação econômica tende a piorar. Em setembro, esse índice era de apenas 13,1%. A conseqüência dessa visão sombria é uma retração das compras baseada em uma causa puramente psicológica, já que não falta crédito para o consumo nem há alta de preços. A batalha contra a recessão é travada principalmente no varejo. Por essa razão, é interessante observar o que se passa no caso das Lojas Cem, que tem 170 filiais em São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A empresa esperava fechar o ano com crescimento de 15%, mas reduziu essa projeção para 8%. É uma variação significativa sobre 2007. Ela equivale à metade do crescimento esperado. Valdemir Colleone, supervisor-geral da companhia, analisa: "O consumidor está com medo de assumir compromissos".
Como notícia ruim, a incerteza viaja rápido e é contagiante. Nessas horas, a percepção de risco é mais forte do que os indicadores reais da economia brasileira, que, vale a pena enfatizar, não se vergaram ainda sob o peso da crise externa. "Os canais de transmissão da crise para cá são múltiplos, e a insegurança é tão importante ou mais que as conseqüências concretas da escassez de crédito", diz o economista José Júlio Senna, da MCM Consultores. "As pessoas estão percebendo 2009 como um ano de risco de queda de renda, e mesmo de desemprego. É uma avaliação parcialmente subjetiva, movida pelo medo. Mas seus efeitos nada têm de abstrato."
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Com reportagem de Marcelo Bortoloti e Silvia Rogar