Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 13, 2008

Tropas federais garantem o pleito no Rio

A campanha dos tanques

Na eleição mais conturbada da história
do Rio de Janeiro, Lula corre com quatro
candidatos – e dois deles estão na dianteira


Ronaldo França

Oscar Cabral

EXÉRCITO EM AÇÃO
Soldados na Cidade de Deus no primeiro dia da operação, que só termina depois da eleição

A menos de um mês do primeiro turno, já é possível dizer que o vencedor da eleição municipal na cidade no Rio de Janeiro é o presidente Lula. Nada menos do que quatro candidatos são de partidos que integram a base de apoio do governo. Isso inclui os dois primeiros colocados na disputa. Quem lidera as pesquisas é o ex-deputado federal Eduardo Paes (PMDB). Sua candidatura foi lançada pelo governador Sérgio Cabral, com o aval do presidente. Paes é uma espécie de troféu de caça de Lula por duas razões. Foi o relator adjunto da CPI dos Correios e, quando trocou de partido, era o secretário-geral do -PSDB, o segundo cargo na hierarquia partidária. Quem mais se aproxima dele neste momento, nas pesquisas, é o senador Marcelo Crivella (PRB), que liderava a corrida há apenas duas semanas. Crivella, ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, é aliado de primeira hora do governo federal. Teve desde o início o apoio ostensivo de Lula, apesar de o PT ter candidato próprio – o deputado estadual Alessandro Molon, que, com 4%, está em sexto lugar na disputa. A quarta integrante do time de Lula é a ex-deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), que ocupa o terceiro lugar, com 9%. Seja qual for o resultado, Lula já saiu vitorioso. A dúvida que permanece: e o eleitor, o que ganhará? É o que se deve perguntar numa campanha na qual o que mais chama atenção não são as propostas dos candidatos, mas a mobilização da Justiça Eleitoral para garantir a segurança do pleito.

Um levantamento do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e da Polícia Federal mostrou que há 24 favelas em que os bandidos (traficantes de drogas ou policiais que formam milícias para explorar redes clandestinas de negócios comunitários) impedem a entrada de qualquer candidato que não seja autorizado pelo bando. É a versão carioca dos currais eleitorais que dominaram a política brasileira na primeira metade do século XX. Na semana passada, 3 500 homens do Exército e da Marinha começaram a patrulhar as favelas para garantir que não haja interferência nas votações. E o TRE anunciou a proibição do uso de celulares no recinto de votação, para livrar os moradores de outra coação. Nessas regiões, os eleitores foram avisados de que teriam de provar seu voto nos candidatos da bandidagem. A ordem era que fotografassem a tela da urna eletrônica com o celular no momento em que aparecesse a imagem do candidato. Parece coisa de filme de faroeste, mas é a situação a que o Rio chegou.

Marcos d'Paula/AE

DONO DE UM CURRAL
O vereador Nadinho, que controla uma das favelas do Rio: depois dos traficantes, os milicianos

O pior é que a conivência está longe de acabar. Na semana passada, quatro candidatos a prefeito assinaram um documento insólito. Trata-se de um termo de compromisso firmado com as entidades de transporte alternativo (quando não ilegal) para impedir que as vans sejam fiscalizadas pelo Departamento de Transportes Rodoviários (Detro), órgão do governo estadual que já afastou das ruas 14 000 utilitários piratas. E apesar desse esforço ainda há 6 000 dessas aberrações circulando livremente pela cidade. "Como a maioria da população convive e se beneficia de alguma forma dos produtos e serviços ilegais, nenhum candidato enfrentará esse problema abertamente", diz o cientista político Jairo Nicolau.

O Rio de Janeiro tem uma longa tradição de promiscuidade entre o poder público e os agentes da ilegalidade. Foi com apoio dos diversos governadores e prefeitos que as favelas avançaram sobre as encostas e os bandidos ali se instalaram. Eleito em 1992, 2000 e 2004, o prefeito Cesar Maia simplesmente deixou de governar nos últimos anos, ocupando-se da edição de um blog no qual faz comentários sobre a cena política nacional e, vá entender, a internacional. Além disso, aliou-se a segmentos obscuros. Tem como aliado e cabo eleitoral figuras como o vereador Josinaldo Francisco da Cruz (DEM), o Nadinho, suspeito de assassinato e conhecido por ser o manda-chuva numa das maiores favelas da cidade. Milicianos são policiais e ex-policiais que, a pretexto de garantir segurança, tomaram o lugar dos traficantes na exploração do povo pobre. O único consolo é que a candidata do prefeito, Solange Amaral, vem exibindo um desempenho pífio na campanha.

Fotos Fábio Motta/AE

LULA CÁ, LULA LÁ
Os candidatos Marcelo Crivella e Eduardo Paes: o primeiro é Lula desde criancinha; o segundo é uma espécie de troféu de caça

Um dos argumentos mais utilizados pelos principais candidatos – Eduardo Paes e Marcelo Crivella – é que, caso sejam eleitos, isso significará o fim do isolamento político do Rio. Que a cidade passará a beneficiar-se de entendimentos com o governo federal. Na percepção do eleitor, esse é o maior atributo de Eduar-do Paes, cuja ligação com Sérgio Cabral traz vantagens adicionais. Cabral é o primeiro governador, em muito tempo, a participar da vida da cidade. Sua visibilidade e a sempre lembrada aliança com Lula o tornaram um cabo eleitoral poderoso. Isso não significa, no entanto, que o quadro esteja definido. O porcentual de eleitores que não sabem em quem votar a menos de um mês da eleição ainda é alto, da ordem de 11%. O grupo dos que pretendem votar em branco ou nulo é de 12%. A indecisão e o desinteresse são compreensíveis numa cidade em que uma das poucas certezas tem sido a da impunidade.

Arquivo do blog