Uma espetacular sucessão de eventos confirma o diagnóstico de que esta é a maior crise financeira da História moderna: o colapso de uma centenária instituição financeira privada (Lehman Brothers), a estatização de duas gigantescas instituições semipúblicas (Fannie Mae e Freddie Mac) e a intervenção em uma das maiores seguradoras privadas americanas (AIG).
A crise se iniciou em maio-junho de 2006, pelo impacto setorial da alta de juros sobre as empresas de construção residencial. Em janeiro-fevereiro de 2007, foram atingidas as empresas de financiamento imobiliário, pela inadimplência das hipotecas de alto risco. Em julho-agosto, ainda de 2007, a crise se tornou mais complexa, transmitindo-se aos títulos lastreados nesses empréstimos, fulminando o setor financeiro com o colapso do crédito e dos preços das ações. A extraordinária dimensão do fenômeno é percebida no início de 2008, resultando na contaminação dos mercados de crédito, apesar da reação instantânea dos bancos centrais, que abriram as torneiras de liquidez para interromper a dinâmica e a psicologia dos pânicos financeiros.
A crise se tornou sistêmica.
Agora já não é suficiente a atuação do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), mantendo a taxa de juros abaixo da inflação corrente.
Teve de entrar em campo também o Tesouro dos Estados Unidos. O anúncio de um plano de salvamento de até 1 trilhão de dólares no final da semana passada produziu uma formidável recuperação dos mercados acionários. Trata-se de uma tentativa de salvar o Fed e o sistema financeiro de seus próprios excessos e restaurar a confiança de aterrorizados investidores e depositantes. E a recuperação dos mercados acionários é um desejável efeito colateral para interromper a perversa dinâmica de realimentação entre as expectativas (a queda do preço dos ativos) e os fundamentos da economia (o desabamento do consumo).
Um argumento politicamente defensável seria um plano fiscal de auxílio financeiro a famílias com problemas de pagamento de suas hipotecas, da mesma forma que estariam garantidos todos os pequenos depósitos até o limite estabelecido pela Companhia Federal de Seguros de Depósitos (FDIC, na sigla em inglês). Mas a desregulamentação do sistema e o ritmo frenético de inovações financeiras propiciaram uma proliferação de veículos de investimento inadequados e instituições financeiras temerárias sem nenhuma supervisão, deixando a descoberto milhares de investidores. A excessiva expansão de crédito, através desses precários canais de originação, securitização e distribuição de ativos financeiros de baixa qualidade, permitiu extraordinários ganhos privados durante a fase de alta, sob o patrocínio do Fed. Agora, na queda, o Tesouro patrocina a socialização das perdas, sob a ameaça do pânico financeiro, da interrupção do crédito, da desorganização da produção e da destruição de empregos. Chegou a conta da farra do crédito.
Entrevista:O Estado inteligente
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