Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 20, 2008

O grampo e a ''culpa'' da imprensa

A investigação sobre a escuta ilegal e o vazamento de uma conversa telefônica do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, com o senador Demóstenes Torres parece não ter avançado grande coisa com a perícia feita pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal (PF), em 16 equipamentos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) - acusada da autoria do grampo. Concluiu-se que eles não servem para interceptar conversas em telefones como os utilizados pelo juiz e o senador (celulares analógicos). Isso não elimina as suspeitas de que agentes da Abin tenham participado do ultraje, à revelia ou não da cúpula do organismo.

Primeiro, porque aqueles equipamentos podem não ser os únicos à disposição da Abin. Foi o que deu a entender o ministro da Defesa, Nelson Jobim, em depoimento à CPI dos Grampos - razão por que a comissão lhe solicitou que forneça a relação completa dos aparelhos comprados pela agência nos últimos quatro anos. Além disso, a CPI encomendará à Unicamp perícia própria nos equipamentos a que tiver acesso. Segundo, porque a arapongagem pode ter sido executada por agentes da Abin ou por terceiros, como aventou o presidente do STF, com engenhocas adquiridas clandestinamente. Terceiro, porque não se conhece o resultado de outra perícia, feita pelo Exército.

De todo modo, o trabalho da PF produziu uma revelação comprometedora para a Abin, já não bastasse o seu ilícito envolvimento com a Operação Satiagraha, do delegado Protógenes Queiroz. Dos 16 aparelhos examinados, 5 se prestam para escutas ambientais - registros de conversas entre interlocutores face a face. Um dos aparelhos pode ser acionado por controle remoto, a mais de 500 metros do local. Antes ainda do escândalo que levou o presidente Lula a afastá-lo do cargo, o diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, disse à CPI que a agência não fazia escuta "nem telefônica, nem ambiental, nem em qualquer outro tipo de equipamento de comunicação".

Não poderia ter dito outra coisa, porque a lei só admite quebras autorizadas de sigilo de comunicações em inquéritos criminais - e a Abin não tem poderes de polícia judiciária. Os fatos tiram o gás das palavras de Lacerda. Ele permitiu que, a pedido de Protógenes, mais de 50 de seus agentes trabalhassem na Satiagraha, uma investigação sob segredo de Justiça. Dias atrás, Lacerda disse a uma comissão do Congresso que "achava" que a solicitação do delegado tinha respaldo superior. A espúria cooperação entre a Abin e a PF e o grampo de que Mendes e Torres foram alvo são frutos da mesma árvore. A elucidação do caso lançará luz sobre os subterrâneos dessa parceria.

Por via das dúvidas, o governo já escolheu um culpado - a liberdade de imprensa. À CPI dos Grampos, o ministro Jobim defendeu duas enormidades. Uma seria "relativizar", em casos de crimes, o direito constitucional da imprensa de manter em sigilo as suas fontes - algo que, abolido, permitiria punir o jornalista para quem a história do grampo foi vazada, caso se recusasse a identificar o vazador. Outra seria proibir a imprensa de publicar informações obtidas por terceiros mediante escutas. O sigilo da fonte, em quaisquer circunstâncias, é indissociável do direito da sociedade à informação - a começar da que se refere às ações dos governos.

Freqüentemente, os malfeitos dos poderosos chegam ao conhecimento do público apenas porque os denunciantes contam com a proteção do anonimato para contar o que sabem. Por outro lado, a informação sigilosa que a imprensa poderá publicar - o conteúdo de uma gravação, por exemplo - já deixou de ser secreta no momento em que o seu detentor a passou adiante. Não é só o ministro da Defesa, porém, que põe na conta da mídia as mazelas que o governo fracassa em sanar. O projeto recém-enviado ao Congresso para reprimir os grampos ilícitos e a violação do sigilo dos grampos legais dá margem a que o grampeado peça a condenação do periódico que divulgou a interceptação, se se considerar caluniado ou difamado por seu teor.

Trata-se de um direito que já assiste a qualquer um em relação ao que se publique a seu respeito. Portanto, que sentido tem, a não ser o de intimidar a imprensa, consignar que alguém poderá fazer o que, afinal, já poderia?

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