Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 09, 2008

Míriam Leitão - Babá do mercado



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
9/9/2008

As empresas salvas da falência neste fim de semana pelo Tesouro americano têm um tamanho igual a 40% do PIB dos EUA. A chantagem de "grande demais para quebrar" cabe perfeitamente nelas. A operação é uma enorme transferência de renda para os mais ricos, para os credores das dívidas imobiliárias. A operação se enquadra no que o economista americano Dean Baker define como "o Estado babá".

Ninguém tem dúvidas de que Fannie Mae e Freddie Mac são os dois pilares do sistema financeiro americano, mas elas só chegaram à situação de terem que ser resgatadas com um cheque de US$200 bilhões porque o mercado, o Tesouro e o Fed falharam.

Os bancos burlaram regras prudenciais, aceitando que seus avatares nos mercados de mais riscos assumissem posições inceitáveis. Os fundos fraudaram a confiança dos investidores maquiando ativos podres com um pouco de papéis bons. As agências de classificação de risco falharam por má-fé ou incompetência quando deram boas classificações a estes papéis híbridos. Fannie Mae e Freddie Mac falharam quando aumentaram sua exposição a todos esses riscos. O Fed e o Tesouro falharam porque não viram a bolha, os riscos e as fraudes. Bom, agora só resta a eles todos saber o que fazer com o discurso conservador (ou liberal, como se diz no Brasil) de que o mercado tem correções para seus próprios erros.

O principal comentarista de economia do Financial Times, Martin Wolf, disse, num vídeo gravado para a edição online do jornal, que essa crise nos EUA é comparável à crise japonesa que durou uma década. Com uma vantagem e uma desvantagem para os Estados Unidos.

A vantagem é que ambas foram detonadas pela queda de valor de ativos, no caso os imóveis, mas no Japão houve uma queda de 70% e nos EUA ainda não se chegou a esse ponto. O estado agiu antes de uma desvalorização maior, ainda que isso não signifique que os preços dos imóveis vão parar de cair. A desvantagem é que o Japão, quando entrou em crise, era um credor líquido, e os EUA são devedores líquidos. "Os Estados Unidos precisam da confiança do mundo para continuar se financiando", disse Wolf.

Ele acredita que a crise será longa e que haverá percalços no caminho. Sobre a operação deste fim de semana, Wolf disse que era inevitável e que puniu os acionistas das duas empresas. Admite que a operação poupará todos os credores do sistema. Esses credores estão sendo resgatados junto com Fannie Mae e Freddie Mac.

Exatamente este é o ponto: quem emprestou irresponsavelmente, quem foi imprudente, quem se alavancou mais do que devia, quem vendeu papéis podres como se fossem bons, quem avaliou esses papéis podres como bons, errou. Mas não pagará. A conta, de novo, foi para o contribuinte.

O economista Dean Baker, crítico da imprensa de economia nos Estados Unidos, é autor do livro "The Conservative Nanny State. How the wealthy use the government to stay rich and get richer" (O Estado babá conservador. Como os ricos usam o governo para permanecer ricos e ficar mais ricos). O caso deste fim de semana é um flagrante disso. A tese dele é que, numa economia de mercado, os empreendedores sabem que nem sempre as coisas acontecem como se previu. "Ninguém espera que o governo vá garantir a demanda por um produto ruim, mas, quando são tomadas decisões erradas na concessão de crédito, os conservadores, sim, esperam que o governo vá resgatá-los." Ou seja, no pequeno negócio, no nível pessoal, se alguém conceder um empréstimo irresponsável terá que ficar com o mico; no grande negócio financeiro, o erro é coberto com o dinheiro dos contribuintes.

Isso desnuda o discurso republicano na corrida à Casa Branca, mas certamente pouca gente vai perceber a contradição. Na convenção, semana passada, a idéia mais repetida foi a de que os republicanos querem um estado menor e menos impostos. Na prática, o governo republicano está estatizando duas enormes empresas do mercado financeiro e aumentando o gasto com o dinheiro do contribuinte, apesar de estar com as contas públicas em total desordem.

Um dos oradores a sustentar a tese ultraliberal de que o Estado só atrapalha foi o candidato derrotado nas primárias Mike Huckabee. Ele chegou a dizer o seguinte:

- Eu sou republicano não porque cresci rico, mas porque não queria ficar o resto da minha vida pobre, esperando que o governo viesse me resgatar.

Pelo que se viu neste domingo, fica confirmado que os muito ricos é que acabam resgatados pelo governo quando se metem em gigantescas encrencas, como a dessa crise no mercado financeiro.

Uma prova de subdesenvolvimento é pacote econômico de fim de semana. Lembra quando era assim no Brasil? Nesta crise, já não é a primeira vez que as autoridades americanas ficam reunidas no fim de semana fazendo pacote.

Este socorro, mesmo enorme, não é o fim da crise. Ela continuará, apesar da comemoração dos mercados ontem. Até o caso das duas garantidoras do mercado imobiliário, Fannie Mae e Freddie Mac, não está encerrado. O problema terá que ser resolvido pelo próximo governo.

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