Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 09, 2008

Jânio de Freitas - A maleta e a viagem




Folha de S. Paulo
9/9/2008

O ministro Jobim age com impropriedade ao se valer de uma viagem com Lula para desviar-se de depor na CPI

CRIADOR DA confusão que desviou para uma tal maleta da Abin as atenções suscitadas pelo problema das escutas, o ministro Nelson Jobim age com a mesma impropriedade ao se valer, agora, de uma viagem de Lula para desviar-se do seu depoimento, quarta-feira, como convocado da CPI das Escutas Telefônicas.
Ganhar uma semana, com a inquirição na quarta 17, talvez lhe ofereça um cenário mais abrandado na CPI, consideradas as explicações que deve. Mas seu compromisso, em todos os sentidos funcionais e pessoais, é com a convocação que vale como palavra do Congresso, para esclarecimentos relevantes no inquérito. E não com um passeio à Amazônia onde nada de importante tem a fazer. Tanto mais que o arranjo da escapada fica à mostra com o "convite" presidencial tão posterior à convocação da CPI.
A confusão começa ao ser dito a Lula (e outros), por Jobim, que a maleta seria destinada a gravações ambientais. Ocorre que o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres falam ambos ao telefone quando são gravados, logo, um deles não poderia ser captado por um gravador ambiental. A própria gravação sugere, como primeiro indício, a velha escuta por linha telefônica, no entanto relegada pela "denúncia" de Jobim. Com as responsabilidades de ministro da Defesa, Nelson Jobim deve ter explicação interessante a dar à CPI, sobre os fundamentos de sua colaboração.
Em depoimento à CPI, o ministro da Segurança Institucional, general Jorge Felix, afirmou que pedira ao Exército o exame de especialistas em todo o equipamento da Abin, para verificação das respectivas finalidades. Não lhe constava haver maleta com gravador, mas tão só para varreduras. Nelson Jobim contestou-o com a informação de que a maleta foi comprada para a Abin pelo Exército, por intermédio de sua comissão de compras nos EUA. Arrasador.
Por alguns dias, sim. O Exército informou que a maleta não era de gravação. Arrasador. Um desmentido frontal do Exército ao ministro da Defesa? Veio então o habilidoso laudo do exame a que o general Felix se referira: o dispositivo da maleta é próprio para varreduras, não para gravação, sendo necessário submetê-lo a adaptações para que possa servir como gravador em determinadas circunstâncias.
Adaptação para quê, se qualquer gravador se prestaria ao serviço sem o trabalho de adaptá-lo, cabendo ao interessado apenas a conveniência de escolhê-lo segundo a duração das gravações? Jobim, no final da semana, preferiu dizer aos repórteres que "a divergência com o general Felix está encerrada".
Na CPI não está. Há informações inverídicas lançadas por um dos lados divergentes, delas advieram desdobramentos, a alguém ou a alguma corrente serviram para fins ainda obscuros, ou duvidosos.
Há, portanto, mais do que escutas a serem desvendadas. Ainda que o "mais" não tenha relação direta com a escuta em questão, seja parte de uma armação política por métodos pesados.

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