Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 04, 2008

Míriam Leitão - Acordo sujo



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
4/9/2008

A Petrobras, essa mãe, e as indústrias automobilísticas, as madrinhas, estão negociando nos bastidores a bênção do ministro Carlos Minc para manter a poluição do ar que mata três mil brasileiros por ano. A tentativa de adiar por mais tempo o cumprimento da resolução do Conama que manda reduzir o enxofre do diesel é um golpe inacreditável contra a saúde pública.

A Petrobras, que aqui não reconhece que o diesel com o alto teor de enxofre faça mal à saúde, promoveu ontem um seminário no Paraguai sobre as vantagens, para a saúde humana, de um diesel com menor teor de enxofre.

A resolução do Conama de 2002 mandava reduzir o nível de enxofre no diesel para 50 partes por milhão (ppm). Hoje, na área metropolitana, são 500 ppm e, nas demais áreas do país, são 2.000 ppm.

Na Europa e nos Estados Unidos, o nível de enxofre no diesel é de 10 ppm. Aqui, a Petrobras alega que é caro fazer este diesel, mas o próprio presidente Lula já disse que a empresa vai refinar diesel premium para exportar. Para os nossos narizes e pulmões, pode ser o combustível sujo mesmo.

No Brasil, a indústria automobilística alega dificuldades técnicas para adotar o que eles chamam de Euro 4, o motor que roda com esse combustível mais limpo. Mas, nos seus países de origem, essas empresas já utilizam tais motores, que também são fabricados aqui, apenas para exportação. Montadoras como Volkswagen, Scania, Ford, Mercedes e Volvo devem achar que os pulmões brasileiros são de segunda categoria.

O desrespeito começou na Agência Nacional do Petróleo. Para a resolução do Conama ser cumprida, era necessária uma regulamentação técnica da ANP, que adiou essa providência por cinco anos. Bastou o Movimento Nossa São Paulo entrar no Ministério Público contra a ANP e, em três semanas, a regulamentação saiu.

Ficou estabelecido, então, que, em 2009, a resolução entraria em vigor, mas a Petrobras e a indústria automobilística propuseram ao governo um novo adiamento.

A proposta feita pelas empresas ao Ministério do Meio Ambiente é reduzir o enxofre no diesel das áreas não metropolitanas de 2.000 ppm para 1.800 ppm e fornecer o diesel com 500 ppm apenas para ônibus - e somente em São Paulo e no Rio.

O MMA está tentando embrulhar para presente esse acordo abusivo. Quer enganar os brasileiros, dizendo que é uma vitória, porque as empresas aceitaram antecipar para 2012 o diesel a 10 ppm. O detalhe que finge não ver é que a redução para 50 ppm, que tinha que valer em todas as áreas metropolitanas para ônibus e caminhões já no ano que vem, vai ser novamente adiada.

A Anfavea confirma que está em negociações finais com os órgãos para adotar uma posição que seja "a melhor para todos". Não explica por que não poderia vender no Brasil veículos com motores que já são produzidos aqui. No país, há empresas que fabricam motores no padrão Euro 4 para exportar até para o México. Há um mês, a Petrobras nos respondeu com uma nota garantindo que mudaria o diesel em 2009, e que já estava em testes. Ontem, ela se negou a falar do assunto.

O empresário Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo, argumenta que adiar a resolução é uma decisão que mata:

- O enxofre expele uma partícula que é cancerígena e provoca problemas ao sistema respiratório. O cálculo é que 3.000 pessoas morrem por ano por causa da baixa qualidade do enxofre brasileiro - afirma.

O professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, vem fazendo uma ampla pesquisa sobre a poluição nas capitais brasileiras. Ele afirma que a poluição é, sim, um problema grave para a maioria das capitais que está estudando: Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Saldiva diz que há um consenso mundial quanto aos impactos maléficos do enxofre no diesel na poluição do ar.

- A Petrobras considera o custo que vai ser para ela reduzir o enxofre no diesel, mas não considera esses custos para o Estado e para as comunidades, custos que não se tem como calcular. A saúde pública não é levada em conta, não entra na conta dos custos que se tem com os combustíveis.

No Paraguai, a Petrobras patrocinou um seminário em que falaram alergistas, especialistas internacionais e funcionários da empresa sobre os malefícios do enxofre para a saúde. Lá é para vender o diesel 500 ppm num mercado dominado pelo produto venezuelano, que é de 4.000 ppm.

O Movimento Nossa São Paulo foi ao Conar contra a Petrobras e tirou do ar uma propaganda em que a empresa se diz ambientalmente responsável. Na sua defesa, a Petrobras afirmou que estava sendo vítima de "disputas político-partidárias".

Oded Grajew mandou cartas às diretorias mundiais da Scania, Mercedes, Volks, Ford e Volvo e a todos os membros do conselho de administração da Petrobras dizendo que elas poderão enfrentar processos na Justiça por manter o diesel poluente no Brasil.

Na semana que vem, as empresas e o governo farão nova reunião para tentar mudar a resolução do Conama. Se o ministro Carlos Minc sacramentar esse adiamento vergonhoso, corre o risco de virar o ministro da poluição.

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