O Globo |
4/9/2008 |
Quando cheguei aqui aos Estados Unidos, em julho, para acompanhar as eleições americanas, fui surpreendido na alfândega com a pergunta do policial da imigração: "Qual o interesse que essa eleição pode despertar no Brasil?". Antes que eu conseguisse explicar, ele continuou, mostrando que, em vez de desconfiança de um agente preocupado com a imigração ilegal, a pergunta refletia mesmo a angústia do próprio. "Nenhum desses candidatos vale a pena", disse-me ele, para completar: "O meu candidato já saiu". Em espanhol, declarou-se "de direita", e disse que torcia por Huckabee. Esse é o tipo de eleitor que deve estar mais aplacado com a escolha da governadora do Alasca para vice de McCain. Por isso, o boato de que Sarah Palin poderia ser obrigada a desistir de ser companheira de chapa do republicano à Casa Branca, devido à sucessão de pequenos escândalos que estão surgindo desde a sua indicação, fez com que a campanha se desdobrasse ontem para apoiá-la, menos por causa dela, e mais em defesa da capacidade de escolha do próprio McCain, que está sendo colocada em dúvida. Foi uma decisão isolada dele, que teve a opinião contrária da direção do Partido Republicano e que representa, em última análise, a "rebeldia" de McCain contra a cúpula partidária. Ao mesmo tempo em que, com a escolha de Palin, a direita evangélica sentiu-se representada, o grupo do presidente Bush, que defendia um candidato do establishment político como o ex-governador Mitt Romney foi mais uma vez rejeitado. O senador McCain escolheu dar um passo ousado para os padrões republicanos escolhendo uma "outsider" como ele, sem ligações firmes com grupos políticos dentro de seu próprio partido. Ao contrário de descartá-la, McCain pretende que ela se transforme em um símbolo da contestação que pretende que sua candidatura represente. São sinais difíceis de serem interpretados, como difíceis são os caminhos que McCain tem que trilhar para superar a péssima imagem do Partido Republicano e do governo Bush. Ao mesmo tempo em que se distancia da atual gestão, se aproxima dela no que se refere à Guerra do Iraque e à luta contra o terrorismo, pontos ressaltados por Bush em seu discurso de longa distância na noite de terça-feira, onde destacou que McCain, assim como enfrentou os vietcongues, também saberá enfrentar a "esquerda raivosa", numa ligação nada sutil entre a campanha de Obama e os guerrilheiros comunistas. Na política externa, McCain e os neoconservadores que dominam a Casa Branca têm uma visão semelhante, e é onde tem obtido mais frutos a propaganda republicana de desqualificação de Obama como incapaz de liderar um país em guerra. O primeiro debate entre os dois acontecerá no próximo dia 26, na Universidade do Mississippi, e terá como tema justamente a política externa. Será a ocasião em que, como desafiou Obama em seu discurso de aceitação da candidatura na semana passada, os dois se enfrentarão cara a cara para tentar demonstrar quem está mais preparado para ser o comandante-em-chefe do país. A campanha democrata de Barack Obama insiste em classificar uma eventual vitória de McCain como um terceiro mandato de Bush. A escolha de Palin teria a intenção de sinalizar que ele não é uma cópia de Bush, que teria se irritado com a escolha. O comportamento político de McCain em Washington o autoriza a representar o papel do político independente, sempre disposto a lutar contra a corrupção e os conflitos de interesse dentro do governo, assim como a propaganda de Sarah Palin marca sua atuação à frente do governo do Alasca. Aqui em St. Paul, nos arredores do centro de convenções, há diversas manifestações, sobretudo contra a Guerra do Iraque. Mas há manifestantes também a favor dos republicanos, como um grupo de pessoas fantasiadas de porquinhos cor-de-rosa que destacam o combate de McCain às emendas parlamentares clientelistas, aqui chamadas de "pork", no sentido de gordura, e aos lobbies que atuam em Washington. Também a governadora Sarah Palin destacou-se na política local do Alasca no ataque a políticos de seu próprio partido, devido a obras públicas desnecessárias, como uma ponte que ficou conhecida como "ponte para lugar nenhum". Há, no entanto, quem diga que ela apenas conseguiu se apropriar de uma campanha que começou com os democratas do Alasca, mas que lhe trouxe bons frutos. Sarah Palin é considerada uma política populista, que se declara contestadora, lutadora contra os privilégios, e sublinha em seu discurso uma ligação direta com o eleitorado, longe dos elitistas de Washington. Um discurso muito conhecido entre nós no Brasil. A Transparência Brasil, uma ONG que se dedica a acompanhar a atuação de nossos políticos, dirigida por Claudio Weber Abramo, fez uma pesquisa interessante que revela que 8% dos políticos gastam em campanhas eleitorais mais do que dizem possuir. É o que mostra a análise da relação entre os patrimônios declarados por candidatos às eleições brasileiras e as doações que fazem a campanhas eleitorais. Setenta por cento dos candidatos em eleições fazem doações eleitorais, geralmente a si próprios. Entre os eleitos, o percentual se eleva a 85%. A íntegra está no endereço www.excelencias.org.br/@dpat.php. Um dos políticos que aparecem como autodoadores é o hoje candidato do PT a prefeito do Rio, Alessandro Molon, cuja declaração de bens estranhei aqui em coluna recente, suscitando uma réplica de Molon falando em ética e altos princípios morais. No levantamento da Transparência Brasil, quando candidato a deputado estadual em 2006, Molon declarou patrimônio zero. Mas doou à sua própria campanha nada menos que R$16.400 a dinheiro de hoje. Mais que o próprio patrimônio declarado este ano, de R$11.161. |
Entrevista:O Estado inteligente
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