O Globo |
5/9/2008 |
Ao se definir como uma mãe de subúrbio, que leva uma vida familiar e acompanha o filho no jogo de hóquei "hockey mom" no fim de semana, a candidata republicana a vice, Sarah Palin, definiu bem seu campo de ação política. Em um dos poucos improvisos de um discurso cuidadosamente montado para responder, com ironias, mas firmeza, aos ataques que sofreu desde que foi indicada, Palin disse que a única diferença entre uma "hockey mom" e um pitbull é o batom, misturando sua conhecida tenacidade com um toque irônico feminino. Os subúrbios dos Estados Unidos cresceram, entre 1940 e 2000, de 15% da população para cerca de 50%, enquanto as cidades declinaram de 33% para 30%. Junto com esse crescimento, houve o surgimento de categorias especiais de subúrbios, os "exurbs" e os "exurbia", e os eleitores dessas localidades foram considerados decisivos para a vitória de George W. Bush na eleição de 2004. A expressão "exurb" significando "extra-urbano", foi cunhada pelo jornalista e escritor Auguste Comte Spectorsky por volta de 1950 para descrever o anel de prósperas comunidades rurais além dos subúrbios que, graças às auto-estradas de alta velocidade, permitia que seus moradores trabalhassem na cidade e vivessem no campo. Spectorsky, um jornalista especializado em costumes, foi o editor responsável pela criação do estilo de vida machista da revista "Playboy", ao mesmo tempo em que criou também as famosas entrevistas da revista. Os "exurbs" seriam os subúrbios dos subúrbios, enquanto os "exurbia" seriam os subúrbios emergentes. Reunindo cerca de 15% da população do país, esses subúrbios ganharam dimensão social importante e refletem uma maneira de viver tipicamente americana, dependente do automóvel. É uma visão consensual entre ambientalistas, arquitetos e planejadores urbanos que esses subúrbios são distorções que não deveriam ser estimuladas, mas é exatamente por sua baixa densidade e o preço barato das terras que eles são procurados pelas famílias de classe média, em busca de uma vida mais tranqüila e confortável que a da grande cidade, com segurança e mais espaço para as crianças. As grandes casas construídas nessas localidades são conhecidas como "McMansions", pois obedecem a um padrão próprio e repetido. Geralmente faltam a essas comunidades centros de lazer e cultura, substituídos por grandes shoppings centers e templos religiosos, que acabam se tornando o centro de encontro da população. A população desses centros é majoritariamente branca, de trabalhadores de classe média com uma renda anual abaixo de US$75 mil, sendo que somente 17% têm renda acima de US$100 mil. O colunista do "New York Times" David Brooks publicou um livro sobre essas comunidades intitulado "On paradise drive" ("No paraíso do automóvel" em tradução livre), em que analisa o grande crescimento desses subúrbios entre os anos 1990 e início dos anos 2000, ressaltando que essas comunidades estão cada vez mais dependentes, além do automóvel, de indústrias que se localizam nos subúrbios das grandes cidades, produzindo populações sem conexão com a vida urbana. É nesse grupo de eleitores que está representada a candidata Sarah Palin, que ressaltou seu comprometimento com esses valores do cidadão comum em contrapartida ao "cosmopolitismo" do candidato democrata Barack Obama. Não foi por acaso que ela relembrou no seu discurso uma gafe do democrata que, falando em São Francisco em um encontro fechado para financiadores de sua campanha, criticou os interioranos que, segundo ele, são amargos com a vida dura que levam e por isso se apegam à religião, são a favor do porte de armas e direcionam suas frustrações contra os imigrantes clandestinos. Sarah Palin, que é membro da Associação Nacional dos Rifles e uma evangélica fanática, na mesma frase deu duas estocadas em Obama, sem perder a fleuma. Primeiro, disse que ser prefeita de uma pequena cidade como Wasila, no Alasca, é comparável a ser uma organizadora comunitária, "só que com mais responsabilidades". Comparando seu trabalho social ao de Obama em Chicago, mas ressaltando que, como prefeita, tinha mais responsabilidades, Palin alfinetou o candidato democrata, mas comprou uma briga com diversos "organizadores comunitários", que se sentiram menosprezados. Na mesma frase ela completou: "Nós tendemos a preferir um candidato que não fala sobre nós de uma maneira em Scranton (interior da Pensilvânia) e de outra em São Francisco". O clima agressivo que tomou conta da campanha republicana durante a sua convenção não era o que o candidato McCain prometia durante as primárias, mas é o caminho que os marqueteiros do partido enxergam para mudar a tendência que, desde o início, é a favor do democrata Barack Obama. A partir da escolha da governadora do Alasca, Sarah Palin, para companheira de chapa, o lado radical do partido conservador se destacou, e os resultados têm sido favoráveis. Depois do discurso dela na noite de quarta-feira, em que fustigou Obama o tempo inteiro e respondeu aos ataques que vinha recebendo, as pesquisas de opinião mostraram um novo empate, neutralizando pela segunda vez a dianteira que o candidato democrata havia colocado depois da sua convenção. O discurso de Palin foi acompanhado por 37 milhões de pessoas, quase o mesmo número que viu o de Obama. Resta agora saber qual o efeito que terá no eleitorado o discurso de McCain. Ontem, ele ressaltou seu patriotismo, suas cicatrizes, seu amor à pátria, em contraposição ao "rancor" adversário. Apesar disso, enfatizou sua tradição de trabalhar em conjunto com o Partido Democrata. |
Entrevista:O Estado inteligente
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