Quem manda é o leitor
Veterano do best-seller, Ken Follett retorna, em seu mais recente romance, ao universo medieval do sucesso Os Pilares da Terra. Mundo sem Fim persegue o objetivo único do autor: agradar aos fãs
Jerônimo Teixeira
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Ken Follett gosta de catedrais. Não é, no entanto, um homem religioso. "Eu me interesso pelas catedrais como fenômenos sociais. São monumentos de uma beleza arrebatadora, mas foram construídos por gente que morava em casebres de madeira", disse Follett em entrevista a VEJA. Foi esse contraste dramático que motivou o escritor galês, conhecido por seus thrillers, histórias da II Guerra e livros de espionagem (O Buraco da Agulha, seu primeiro grande sucesso, era tudo isso ao mesmo tempo), a se arriscar em uma saga medieval. Os Pilares da Terra, de 1989, tornou-se um de seus livros mais populares. Ainda hoje vende em torno de 100 000 exemplares por ano nos Estados Unidos (em 2007, voltou ao topo das listas de mais vendidos do país, depois que a poderosa apresentadora Oprah Winfrey o escolheu para seu clube de leitura).Mundo sem Fim (tradução de Pinheiro de Lemos; Rocco; 942 páginas; 75 reais), agora lançado no Brasil, é uma espécie de continuação de Os Pilares da Terra. Por que Follett voltou à Idade Média? "Os leitores pediam", diz. Tal é a razão de ser de um autor de best-sellers: agradar aos leitores.
Mundo sem Fim traz elementos que fazem um bom vira-página: muita ação, intrigas palacianas, personagens fortes que lutam para superar uma sorte adversa. A história começa com quatro crianças que testemunham um crime em uma floresta (aliás, um dos meninos toma parte ativa nas mortes). Como sói acontecer em sagas do gênero, o destino dos quatro será indissociável ao longo das 900 páginas seguintes. O leitor não precisa ter passado pelos dois alentados tomos de Os Pilares da Terra para se divertir com Mundo sem Fim. A locação é a mesma – Kingsbridge, localidade fictícia na Inglaterra medieval –, mas a história se passa no século XIV, 200 anos depois do primeiro livro, obviamente com outros personagens.
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O site de Follett na internet traz uma interessante seção chamada "masterclass" (algo como "aula magna"), em que ele dá dicas para a composição de um best-seller. A palavra-chave é planejamento: o autor de O Vôo da Vespa pesquisa extensamente sobre o tema de suas obras e traça a estrutura do livro antes de escrever a primeira linha. Nada disso, porém, garante sucesso. "Ainda não apareceu ninguém que tenha chegado à lista de mais vendidos seguindo as minhas dicas. Não existe fórmula para um best-seller", diz Follett. Curiosamente, a crítica mais comum que se faz a autores como Follett, Frederick Forsyth ou Tom Clancy centra-se no caráter de fórmula de seus livros. A narrativa do best-seller de fato se ampara em alguns simplismos, como se constata pela psicologia muito básica dos protagonistas de Mundo sem Fim (a mulher forte mas oprimida pela sociedade machista de seu tempo, por exemplo, é um persistente chavão feminista). Mas há autores que usam esses clichês com competência, enquanto outros fracassam. Follett está entre os primeiros. É um mestre do entretenimento.
Vendendo na casa dos milhões desde O Buraco da Agulha, de 1978, Follett poderia se aposentar, mas já está trabalhando em outra ambiciosa saga, A Trilogia do Século, que cobrirá o período de 1914 a 1989 – o primeiro volume deve sair em 2010. "Poderia passar meus dias jogando golfe, mas morreria de tédio. Escrever me entusiasma, e eu sou bom nisso", diz o imodesto Follett. Eis um homem que aprecia o sucesso e a riqueza sem nenhum traço de má consciência. Casado com Barbara, política do Partido Trabalhista inglês e atualmente ministra do gabinete de Gordon Brown, Follett alinha-se de boa vontade ao que no Brasil se chamaria de "esquerda festiva" (é um "socialista do champanhe", na expressão inglesa). Foi próximo do ex-primeiro-ministro Tony Blair, com quem acabou rompendo. Há quem diga que um monge caviloso de Mundo sem Fim foi inspirado em Blair. O autor não nega as semelhanças, mas tem uma avaliação generosa do ex-primeiro-ministro. "Sua grande fraqueza foi não ter dito a verdade sobre o Iraque. Mas, no geral, o legado de seu governo é positivo", diz.
Um socialista do champanhe O escritor galês Ken Follett fala de seus livros, da Idade Média e da política contemporânea Seus livros são muito variados – há sagas medievais, thrillers de espionagem, histórias da II Guerra. Qual seria a marca de um romance de Ken Follett? Eu diria que o traço mais característico dos meus romances é que eles puxam o leitor de uma página para outra. É nisso que eu me concentro. Se você está lendo um livro meu em um avião, ficará desapontado se ele aterrissar antes de você chegar ao final. Como começou seu interesse pela Idade Média? Tudo começou com as catedrais, que me fascinam. Foi a partir daí que me interessei pelas pessoas que as construíram e sobre como elas viviam. Para escrever Os Pilares da Terra e Mundo sem Fim, tive de aprender sobre o cotidiano na Idade Média. Os leitores apreciam esse retrato do dia-a-dia medieval. É óbvio que o que prende o leitor é a história. Mas ele também gosta de aprender algo. Como um escritor ateu consegue mergulhar na mentalidade religiosa da Idade Média? Recorri a lembranças de infância. Eu me lembro de como as pessoas falavam de Deus, do pecado, do inferno. Meus pais eram cristãos devotos – talvez por isso eu hoje seja ateu. E tenho familiaridade com a Bíblia, que li do início ao fim.
O senhor já fez campanha pelo Partido Trabalhista e é casado com uma ministra do gabinete de Gordon Brown. Essa atividade política tem alguma influência nos seus livros?Imagino que um leitor perceptivo poderia adivinhar a minha orientação política nos meus livros. Mas não é meu tema central. Escrevo sobre a sociedade, com um viés político, mas jamais de política partidária. O meu interesse recai sobre o modo como as forças sociais afetam os indivíduos. EmMundo sem Fim, por exemplo, retrato o momento em que faltou mão-de-obra na Inglaterra, por causa da peste negra, e, pela primeira vez na história britânica, os trabalhadores puderam barganhar com os empregadores o valor de seu trabalho. Antes de O Buraco da Agulha, o senhor escreveu pelo menos dez livros – alguns assinados com pseudônimo – que não fizeram sucesso. Qual era a falha desses romances? Meus primeiros livros têm uma série de erros. Eu os escrevi com muita pressa e sem nenhum planejamento ou pesquisa. Eles têm um andamento acelerado demais. Há muita ação e pouca emoção, e é a emoção que atrai o leitor. O senhor se define como um "socialista do champanhe". O que vem a ser isso? Alguns comentaristas de direita acreditam que você não pode ser de esquerda se for rico. E acham que chamar os ricos de esquerda de "socialistas do champanhe" é uma crítica aguda. Eu aceitei a expressão de bom grado. Acredito que você pode, sim, ser de esquerda e gostar de champanhe. O que não podemos é deixar todo o champanhe para os conservadores. Seria um crime. |