Além de grampearem o presidente do Supremo e
autoridades federais, arapongas da Abin vigiaram
jornalistas que buscavam informações sobre o caso
Diego Escosteguy
Orlando Brito |
VERSÃO MUTANTE |
À medida que vêm à tona detalhes da participação dos espiões da Agência Brasileira de Inteligência na chamada Operação Satiagraha, fica cada vez mais evidente que esteve em curso uma ação secreta, descontrolada e clandestina patrocinada e desenvolvida por agentes do estado, cujos objetivos ainda não foram devidamente esclarecidos. Há duas semanas, VEJA revelou que conversas do presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes, foram ilegalmente interceptadas por espiões a serviço da Abin. O diretor da agência, Paulo Lacerda, foi afastado pelo presidente Lula, embora jurasse que a cooperação de seus arapongas com a Polícia Federal se limitasse a uma inocente consulta a cadastros e banco de dados, análises de documentos e apoio logístico aos policiais – tudo informalmente. Na semana passada, soube-se que a tal participação "informal" empregou um contingente de 52 agentes, que custaram 250 000 reais em verbas secretas. Soube-se, também, que, além de grampos ilegais contra autoridades do Legislativo, Executivo e Judiciário, os arapongas tiveram acesso a dados sigilosos da investigação e até seguiram, fotografaram e filmaram os passos de jornalistas que estavam em busca de informações sobre o caso.
Dida Sampaio/AE |
VALE TUDO O delegado Protógenes Queiroz exibiu conversa de uma jornalista gravada clandestinamente |
Os delegados da Polícia Federal que investigam os grampos clandestinos e as ações ilegais ocorridas ao longo da operação já têm a lista de todos os agentes da Abin convocados para a missão. Eles estão tentando descobrir, por exemplo, quem entre eles foi o responsável por uma gravação de áudio entre uma jornalista da Folha de S. Paulo e um interlocutor não identificado. A gravação foi exibida pelo delegado Protógenes Queiroz, no fim do mês de maio passado, ao delegado Paulo de Tarso Teixeira, diretor da Divisão de Combate a Crimes Financeiros. Na fita aparece a jornalista conversando sobre a Operação Satiagraha. Protógenes era o chefe da operação, juntamente com o diretor da Abin, Paulo Lacerda. De acordo com as informações do próprio delegado Protógenes, a gravação teria sido feita pelo pessoal da agência de inteligência e serviria para provar que havia uma conspiração contra ele. Os arapongas do governo já estavam "informalmente" integrados ao caso e, ao que parece, também grampeando tudo e todos – já que não havia autorização judicial nenhuma para ouvir conversas de jornalistas. Teixeira não ficou com cópia da gravação, nem soube informar se ela foi feita a partir de uma escuta ambiental, o que é mais provável, ou de um grampo telefônico clandestino. Qualquer que tenha sido o método, porém, foi mais uma ilegalidade.
SEM GRAMPOS O agente Francisco Ambrósio confirmou a participação na operação, mas disse que apenas analisou documentos |
Não será fácil aos policiais identificar os agentes responsáveis pelos grampos dos telefones das autoridades em Brasília. Desde que o caso veio a público, além de negar o envolvimento de seu pessoal e patinar em sucessivas contradições, a agência de inteligência também se esforça para confundir as investigações. Na semana passada, a revista IstoÉ apontou o araponga aposentado Francisco Ambrósio do Nascimento como o autor das interceptações telefônicas contra as autoridades. O espião foi contratado para trabalhar na Operação Satiagraha, segundo ele, para analisar documentos. Pelo menos foi isso o que disse aos delegados que investigam o caso. Em depoimento à CPI dos Grampos, o chefe afastado do setor de contra-inteligência da Abin, Paulo Maurício Fortunato, afirmou que conhecia Ambrósio, mas que não falava com ele fazia mais de dez anos. Era mentira. Maurício havia se reunido com Ambrósio cinco dias antes. Propôs ao agente que, se fosse procurado pela polícia, contasse uma versão que não comprometesse a Abin. Disse também que a agência já tinha pistas sobre quem havia vazado os grampos clandestinos e chegou a mostrar alguns suspeitos. Foi também do ex-chefe a revelação de que não eram oito, como se dizia, mas sim 52 o número de arapongas convocados para atuar em conjunto com a Polícia Federal. Em entrevista, Ambrósio garantiu que nada entendia de grampos, que seu trabalho foi exclusivamente analisar mensagens eletrônicas apreendidas pelos investigadores, que desempenhou suas tarefas no prédio da Polícia Federal e que foi contratado por 9.000 reais diretamente pelo delegado Protógenes. Nada, portanto, a ver com a Abin.