Valor Econômico |
18/9/2008 |
Eclodiu uma crise sistêmica no capitalismo "global" desregulado. A importância das organizações afetadas, a quebra e centralização de capitais no sistema financeiro - Bank of America e Merril Lynch -, bem como as características das ações dos bancos centrais são demonstrações suficientes. Quanto a essas, sobretudo as do Fed, o "big bank" americano, e as do Tesouro, não deixam dúvida de que eles viram a máscara feia do risco sistêmico. As evidências sucedem-se: magnitude de recursos oficiais mobilizados, novidades intervencionistas, tipos de instituições apoiadas, número de países importantes envolvidos, afundamento dos cânones da desregulamentação, suprimentos de liquidez, apoios financeiros e reduções de taxa de juros. O mundo vive há 38 anos, desde o início dos 1970, sem o dólar-ouro, com câmbio flexível e reformas liberalizantes, sob um padrão sistêmico de riqueza em que ocorre a dominância financeira, o capitalismo liderado pelas finanças. Já é um período maior do que os chamados "Gloriosos 30 Anos" posteriores à Segunda Guerra do Século XX. Nesses 38 anos, instabilidades e crises ocorreram. Porém, nenhuma se tornou profunda e "global". Agora sim. Os processos que têm sustentado os movimentos financeiros de valorização da riqueza emperram e produzem internacionalmente uma tendência à desvalorização da riqueza de duração indeterminada. A esse ponto se chegou com a globalização financeira e o movimento de financeirização do capitalismo pelo qual a riqueza de papel se multiplica relativamente independente da valorização dos ativos produtivos, das variáveis reais. Nestas páginas do Valor já escrevi que é um processo em que todos os atores estão envolvidos, até a corporação produtiva que incorporou a meta financeira em seus objetivos. Preponderam as operações privadas em altos níveis de alavancagem e os bancos centrais e tesouros que viraram reféns dessa dinâmica. Na alta da especulação, vale o mercado, e, na baixa, vale o socorro do Estado. Assim tem sido em todas as turbulências que ocorreram nesses 38 anos. Lembremos que o ambiente regulatório inspira-se nos Acordos da Basiléia, composto por índices de capital em relação aos ativos, segundo tipos de riscos, por agências de classificação de risco, por modelos de autogestão "armados" pelos grandes "players" bancários, pela supervisão à distância por parte dos bancos centrais e pela suposta disciplina de mercado na prática da transparência das informações. Os bancos centrais deixaram solta a capacidade do sistema de criar riqueza fictícia em escala global e com significativa participação direta e indireta dos bancos, via organizações paralelas que criaram. Essas organizações "especiais", os instrumentos financeiros exóticos, as práticas correspondentes ficaram conhecidas, sabem os "entendidos", como "sistema financeiro sombra" - shadow financial system. Um mundo de capital fictício a operar, fora dos balanços dos bancos, fora da vista das autoridades reguladoras e monetárias, em auto-expansão descontrolada. O ex-presidente do Fed, Paul Volcker, no "The Economic Club of New York", em 8 de abril, comentou: "Hoje, muito da intermediação financeira verifica-se em mercados distantes da capacidade supervisora, podendo implicar descuidos, tudo envolvido em desconhecidos instrumentos derivativos estimados em trilhões. Tem sido um negócio altamente lucrativo, indicando a contabilidade financeira recente algo como 35 a 40% de todos os lucros corporativos". Quando inicia a desvalorização, aparece o BC, que se torna ativo em vez de omisso. É o que temos assistido em suas operações como prestamista de última instância - até mesmo para bancos de investimento, o que não é de sua competência - e market maker - quando assegura liquidez diante de um mercado travado. Aceita títulos sem compradores e os troca por títulos do Tesouro que podem em seguida ser transformados em dinheiro. Ainda assim, a crise persiste e há os que acreditam que ela poderá se aprofundar severamente. A rigor, ninguém sabe o quanto, pois uma das facetas do momento é justamente a sombra sobre as informações relevantes! Mesmo que daqui a 12/18 meses - número "mágico" citado por muitos -, ou até em menos tempo, o pior já tenha passado, a pergunta relevante é a seguinte: terá começado um processo profundo de redefinição da regulação do sistema? Ou apenas mudanças paliativas ocorrerão e o padrão persistirá o mesmo? As reformas necessárias demandam limites à concorrência financeira que está na raiz da multiplicação dessa riqueza de papel. Requerem a criação de disciplina financeira internacional. Isso implica impor limites a muito do que aparecia como virtude: auto-regulação dos atores e mercados financeiros, securitização, derivativos, altos níveis de alavancagem, organizações como supermercados financeiros, permissividade quanto às inovações financeiras etc. Os bancos centrais e os governos fizeram e farão o que for necessário para salvar suas economias capitalistas em crise sistêmica. Quanto a estabelecer um capitalismo regulado, já é uma outra conversa difícil, tensa, de duração indeterminada e talvez inconclusa. Foi Paul Volcker que já antecipou no evento antes mencionado: "Ninguém se beneficiará de uma regulação e supervisão que seja indevidamente intrusa e arbitrária. "Venture capital" e "equity funds" têm sido duas partes vitoriosas, criativas e valorosas do mercado de capitais americano. Por sua natureza elas são dependentes de fortes e sofisticados investidores, portanto implicações sistêmicas de determinados fundos é improvável. Consequentemente o caso seja de um apoio oficial de liquidez. Uma regulação direta intrusa é insustentável." Adverte-se em vão há muito tempo sobre a necessidade de uma nova arquitetura financeira e monetária internacional. Sem uma verdadeira reforma, o cenário é de recorrente ameaça do risco sistêmico e os conseqüentes ônus econômicos e sociais. Problemático nó histórico: desarranjo sob o capitalismo desregulado e capitalismo regulado como miragem. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, setembro 18, 2008
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