O mercado interno será a "grande tábua de salvação da economia brasileira", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lançando a versão nacional do "combateremos à sombra", a frase heróica atribuída ao rei espartano Leônidas. Bravatas à parte, o presidente está certo pelo menos quanto a um ponto. No ano passado a demanda interna já foi o principal motor da expansão econômica, porque as importações de bens e serviços cresceram bem mais que as exportações. Esse quadro repete-se neste ano e deverá repetir-se no próximo, se as condições do comércio internacional, como se espera, forem menos favoráveis que as de hoje. De fato, nesse caso não haverá escolha. Leônidas podia fugir ou combater e preferiu enfrentar os persas. Os brasileiros não têm esses graus de liberdade. Mas também não devem iludir-se quanto às possibilidades de crescimento econômico voltado para dentro.
O mercado interno pode ser uma tábua, mas não uma grande tábua nem uma tábua duradoura. O consumo privado, o investimento privado e o gasto púbico, somados, só podem crescer se houver oferta suficiente de bens e serviços. Parte dessa oferta depende do exterior. Para sustentar esse canal de suprimento, o País deve exportar. Se as suas exportações de bens e serviços forem insuficientes, será preciso financiar a diferença, isto é, será preciso cobrir o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos.
Considerando-se os valores acumulados em 12 meses, a conta corrente brasileira tornou-se deficitária no começo deste ano. O buraco aumentou rapidamente: entre janeiro e julho passou de US$ 2,14 bilhões para US$ 19,49 bilhões. Como parcela do Produto Interno Bruto (PIB), aumentou de 0,16% para 1,41% nesse período, segundo os últimos cálculos do Banco Central. O mercado financeiro estima um rombo de US$ 28 bilhões em 2008 e de US$ 34 bilhões em 2009.
De acordo com essas projeções, o investimento estrangeiro direto - US$ 34,60 bilhões - será mais que suficiente, neste ano, para financiar essa diferença. No próximo, ficará abaixo da necessidade, se a estimativa de US$ 30,37 bilhões se confirmar. A cobertura dependerá da redução de reservas ou de um financiamento de qualidade inferior à do investimento direto: endividamento ou aplicação especulativa. Qualquer destas hipóteses, no entanto, está sujeita a grande margem de erro, neste momento, porque a crise financeira se agravou nos últimos dias, o movimento de capitais se alterou e aumentou a incerteza sobre a evolução dos preços e do comércio global.
Bancos e empresas brasileiras já têm tido maior dificuldade para conseguir empréstimos no mercado financeiro internacional. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu compensar com recursos de bancos estatais a redução do crédito de outras fontes. Não explicou, até ontem, de onde virá o dinheiro nem qual será o seu custo. Isso vai além do "combateremos à sombra".
Por enquanto, nada condena o Brasil a um novo desastre, mesmo no caso de uma crise global com mais de um ano de duração. Novas quebras poderão ocorrer no mercado financeiro. Os bancos perderão capital e o crédito externo poderá encolher drasticamente. Não há como prever, agora, como ficarão os preços dos produtos agrícolas e de outros itens importantes da pauta brasileira de exportações. Algum otimismo é justificável. Na próxima temporada, as condições de suprimento mundial não serão muito diferentes das atuais, mas os preços dependerão em boa parte da situação da China e de outros emergentes.
O Brasil entra na crise com reservas cambiais acima de US$ 200 bilhões, inflação em nível tolerável e contas fiscais manejáveis, apesar de maiores gastos orçamentários já contratados (aumentos salariais, por exemplo). Mas as contas externas, embora ainda financiáveis sem muito problema, debilitam-se rapidamente. A velha vulnerabilidade poderá reaparecer, se a demanda interna permanecer em vigorosa expansão e as exportações continuarem perdendo impulso. Hoje deve ser sacramentado o drawback verde-amarelo, um mecanismo de isenção tributária para insumos nacionais incorporados em produtos exportáveis. É uma boa notícia, mas foram necessários quatro meses para o sistema entrar em vigor. Medidas como essa forneceriam muitas tábuas de salvação, suficientes para fazer um navio, se o governo cuidasse com mais eficiência da política de competitividade. É bom dispor de um grande e robusto mercado interno, mas mercado interno, sozinho, não garante crescimento e bem-estar.
*Rolf Kuntz é jornalista
O mercado interno pode ser uma tábua, mas não uma grande tábua nem uma tábua duradoura. O consumo privado, o investimento privado e o gasto púbico, somados, só podem crescer se houver oferta suficiente de bens e serviços. Parte dessa oferta depende do exterior. Para sustentar esse canal de suprimento, o País deve exportar. Se as suas exportações de bens e serviços forem insuficientes, será preciso financiar a diferença, isto é, será preciso cobrir o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos.
Considerando-se os valores acumulados em 12 meses, a conta corrente brasileira tornou-se deficitária no começo deste ano. O buraco aumentou rapidamente: entre janeiro e julho passou de US$ 2,14 bilhões para US$ 19,49 bilhões. Como parcela do Produto Interno Bruto (PIB), aumentou de 0,16% para 1,41% nesse período, segundo os últimos cálculos do Banco Central. O mercado financeiro estima um rombo de US$ 28 bilhões em 2008 e de US$ 34 bilhões em 2009.
De acordo com essas projeções, o investimento estrangeiro direto - US$ 34,60 bilhões - será mais que suficiente, neste ano, para financiar essa diferença. No próximo, ficará abaixo da necessidade, se a estimativa de US$ 30,37 bilhões se confirmar. A cobertura dependerá da redução de reservas ou de um financiamento de qualidade inferior à do investimento direto: endividamento ou aplicação especulativa. Qualquer destas hipóteses, no entanto, está sujeita a grande margem de erro, neste momento, porque a crise financeira se agravou nos últimos dias, o movimento de capitais se alterou e aumentou a incerteza sobre a evolução dos preços e do comércio global.
Bancos e empresas brasileiras já têm tido maior dificuldade para conseguir empréstimos no mercado financeiro internacional. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu compensar com recursos de bancos estatais a redução do crédito de outras fontes. Não explicou, até ontem, de onde virá o dinheiro nem qual será o seu custo. Isso vai além do "combateremos à sombra".
Por enquanto, nada condena o Brasil a um novo desastre, mesmo no caso de uma crise global com mais de um ano de duração. Novas quebras poderão ocorrer no mercado financeiro. Os bancos perderão capital e o crédito externo poderá encolher drasticamente. Não há como prever, agora, como ficarão os preços dos produtos agrícolas e de outros itens importantes da pauta brasileira de exportações. Algum otimismo é justificável. Na próxima temporada, as condições de suprimento mundial não serão muito diferentes das atuais, mas os preços dependerão em boa parte da situação da China e de outros emergentes.
O Brasil entra na crise com reservas cambiais acima de US$ 200 bilhões, inflação em nível tolerável e contas fiscais manejáveis, apesar de maiores gastos orçamentários já contratados (aumentos salariais, por exemplo). Mas as contas externas, embora ainda financiáveis sem muito problema, debilitam-se rapidamente. A velha vulnerabilidade poderá reaparecer, se a demanda interna permanecer em vigorosa expansão e as exportações continuarem perdendo impulso. Hoje deve ser sacramentado o drawback verde-amarelo, um mecanismo de isenção tributária para insumos nacionais incorporados em produtos exportáveis. É uma boa notícia, mas foram necessários quatro meses para o sistema entrar em vigor. Medidas como essa forneceriam muitas tábuas de salvação, suficientes para fazer um navio, se o governo cuidasse com mais eficiência da política de competitividade. É bom dispor de um grande e robusto mercado interno, mas mercado interno, sozinho, não garante crescimento e bem-estar.
*Rolf Kuntz é jornalista