O otimismo não voltou nem mesmo depois do anúncio, pelo Tesouro dos Estados Unidos, de um programa de financiamento para reforçar a capacidade de intervenção do Fed. O recado é claro: se as instituições financeiras precisarem de recursos para enfrentar dificuldades de caixa, terão a ajuda do setor público - sem muita discussão, nesta altura, sobre o uso de dinheiro do contribuinte. As autoridades americanas deixaram quebrar o Lehman Brothers, um grande banco de investimento, e vários bancos pequenos, mas não se dispuseram a assistir inertes, em nome de princípios, à derrocada de uma instituição como a AIG, capaz de levar para o desastre muitos financiadores menores.
É inútil, nesta altura, discutir se o conceito de risco moral (moral hazard) só vale em algumas situações e se o governo, afinal, estará disposto a resgatar empresas mal administradas, se a sua quebra puder causar um grande estrago no sistema. Se a ameaça for muito séria, provavelmente o Tesouro e o banco central tentarão limitar o desastre. Isso ocorreu noutras ocasiões nos Estados Unidos. Na doutrina, o capitalismo é um sistema de riscos e cada um deve pagar por seus erros e o governo jamais deve, por sua intervenção, estimular a ação irresponsável. Mas como deixar de intervir, quando os danos podem atingir todo o sistema?
Na crise atual, no entanto, a intervenção do Tesouro e do Fed não é apenas uma questão de pragmatismo. Não se pode voltar as costas a uma situação de fato, diriam os defensores da intervenção, mas a situação de fato, nesse caso, foi possibilitada principalmente pela omissão do poder público. Analistas independentes, professores e até dirigentes de algumas grandes instituições chamaram a atenção para as possíveis conseqüências da farra financeira dos últimos anos.
Poucos governos deram atenção aos avisos. A maioria dos líderes do setor bancário batalhou contra a adoção de regras de segurança mais estritas. Isso inibiria, segundo se argumentava, a criatividade do mercado financeiro. Nos Estados Unidos, nem as normas discutidas e recomendadas pelo Banco de Compensações Internacionais, de Basiléia, foram plenamente adotadas.
O Banco Central (BC) do Brasil foi mais cauteloso que muitos de seus congêneres de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Aqui o BC tem poder de supervisão sobre bancos comerciais, bancos de desenvolvimento e outras instituições financeiras, ficando fora de sua jurisdição apenas as bolsas, as seguradoras e as entidades de previdência complementar.
Nos Estados Unidos, boa parte das operações mais perigosas, durante a criação da bolha hipotecária, ficou fora da supervisão do Fed. O banco central americano foi forçado, afinal, a ampliar sua área de intervenção quando a crise envolveu não só os bancos comerciais, mas também os de desenvolvimento e outras instituições. A atual situação, portanto, não resulta apenas de fatores incontroláveis, mas principalmente de fatores não controlados por uma decisão política. Não tendo prevenido riscos, as autoridades agora improvisam soluções, incapazes de restabelecer a segurança por mais do que algumas horas ou dias.