De um lado, o empréstimo gigantesco de US$ 85 bilhões com recursos do contribuinte para uma empresa privada ameaçada de afundamento foi interpretado como disposição das autoridades de impedir que um desastre localizado se transformasse em megaabraço de afogado.
Mas o alívio que essa operação poderia proporcionar foi engolfado pela avaliação de que a decisão, de altíssimo custo político, apenas aconteceu porque a situação geral só pode estar muito pior do que até agora admitido. Essa pode ser a melhor explicação para o mergulho geral dos mercados ocorrido ontem. Qual é a bola da vez? E quem faz essa pergunta não quer apenas satisfazer curiosidade eventualmente mórbida; quer defender o seu, se for o caso. E isso tem conseqüência.
O grande problema do setor financeiro é o descasamento natural entre ativos e passivos. Todo banco deve à vista e a curto prazo e repassa financiamentos a prazos mais longos. É uma cadeia naturalmente frágil. Rompido apenas um elo, por mais confiáveis que sejam os demais, é toda a corrente que deixa de prestar. É por isso que o sistema precisa operar com reservas e, quando não são suficientes, tem de recorrer aos emprestadores de última instância, os de sempre.
Haverá o que chegue? Desde que matou a fome do profeta Elias, nunca faltou farinha na tigela da viúva de Sarepta. E assim será com o Fed e com o Tesouro porque eles detêm o monopólio das emissões. O risco aí é o de que sobrevenha enorme inflação. E é também por isso que, ao contrário do que aconteceu nas últimas semanas, o dólar despencou diante do euro, do iene e do ouro (veja o Confira).
Eis que políticos, pensadores e analistas estão agora a derramar energia no debate sobre o grau de moralidade a ser atribuído aos resgates de interesses privados com dinheiro público. O Bear mereceu esse tratamento, mas o Lehman, não. Por quê? A diferença está na necessidade de prevenção do risco sistêmico (quebra em cadeia) - dizem as autoridades.
Esta vem sendo apontada como questão eminentemente ideológica, tal como definido pelo modelo neoliberal. Se os mercados atuam autonomamente (ou quase isso), não cabe a intervenção estatal para salvá-los da bancarrota. Se o regime é de riscos, que sejam assumidos, para o bem ou para o mal. Mas está claro que não pode ser sempre assim. O Estado tem de intervir, sim, quando a intervenção vier a ser necessária. Tem de definir limites e regras do jogo para a atuação das instituições financeiras, porque a "mão invisível" nem sempre é eficaz na distribuição de prêmios e punições.
O único critério que tem de prevalecer nessa situação é o melhor interesse público. Se for do interesse público deixar que um animal graúdo pereça na floresta, que assim seja. Se for o contrário, que também seja. A lei suprema é a saúde do povo romano, como estava na Lei das Doze Tábuas. E, em assim sendo, o único problema consiste em saber de que lado está o interesse público.
Salto - Não é verdade que o dólar é sempre porto seguro. Ontem se desvalorizou 1,06% diante do euro, 1,58% diante do iene e 10,80% diante do ouro, como mostra o gráfico acima. Vai crescendo a falta de confiança na moeda americana.