Para capitalizar desde já os lucros político-eleitorais de uma riqueza que ainda não existe, Lula precisa começar pelo fim, anunciando as políticas sociais redentoras que o "bilhete premiado" do pré-sal inevitavelmente proporcionará, como se tudo o que vem antes já estivesse resolvido, para associá-las no imaginário popular a um futuro governo Dilma. Isso o leva a fazer um carnaval fora de propósito, descontadas as intenções eleitorais, como o de anteontem. Ao celebrar a extração inaugural do óleo da camada pré-sal, no Campo de Jubarte da Bacia de Campos, o presidente e o seu séquito se comportaram como se Jubarte fosse, do ponto de vista geológico e geográfico, uma amostra representativa de todo o pré-sal que se estende de Santa Catarina ao Espírito Santo. As jazidas verdadeiramente promissoras, porém, as do Campo de Tupi, na Bacia de Santos, são mais fundas (a mais de 6 mil metros, sob 2 quilômetros de sal, ante 200 metros debaixo do sal, no caso de Jubarte) e mais distantes (a 300 quilômetros da costa, em vez de 80 quilômetros).
Em Jubarte, a Petrobrás apenas conectou um poço 200 metros abaixo do sal na plataforma P-34 que já produzia petróleo de jazidas localizadas acima da camada de sal. As equações a resolver em Tupi são decerto mais complexas. A começar da busca de uma medição segura do volume passível de ser extraído - hoje fala-se em números disparatados, de 8 bilhões de barris a mais de 20 bilhões - e da qualidade das reservas. O que remete aos problemas essenciais que a retórica triunfalista do presidente escamoteia: quanto custará extrair o que existe efetivamente no pré-sal, qual será a relação custo-benefício da extração e de onde virão os vultosos recursos necessários para a exploração. O fator decisivo é a cotação do produto, que tem oscilado com uma rapidez desconcertante, por mera especulação do mercado. Em cerca de dois anos, o barril passou de US$ 30 para mais de US$ 100. Abaixo de determinado patamar, difícil de estabelecer de antemão, o negócio pode deixar de ser atrativo.
Dias atrás, numa palestra, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci - que não se deixa estontear pelos cenários de prosperidade garantida ao alcance da mão - chamou a atenção para o principal desafio posto desde já ao Brasil: como atrair os recursos indispensáveis à empreitada, tendo em conta que para os investidores ela só será viável economicamente com o preço do produto em alta. "Ou viabilizamos esse investimento", advertiu, "ou vamos ficar dizendo que ?o petróleo é nosso? - nosso lá embaixo da terra." Mandaria a decência política que o governo esclarecesse a sociedade sobre os fatores em jogo para não alimentar falsas esperanças. Mas isso, evidentemente, quebraria o encanto dessa autêntica operação de marketing eleitoral a que o presidente se entregou por inteiro - e o induz, entre outras coisas, à incoerência de ora criticar, ora glorificar a Petrobrás, promovida esta semana a "mãe da industrialização deste país" (o que é simplesmente falso).
"Deus passou por aqui e resolveu ficar", assegura Lula, "porque a (sua) sorte aumenta a cada dia." Nenhum brasileiro de mente sadia haverá de desejar que a sorte se revele, afinal, madrasta exatamente neste episódio das descobertas do pré-sal. Mas torcer pelo melhor para o País não significa omitir que Lula está brincando com a sorte.