Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 04, 2008

Brincando com a sorte

O Estado de S. Paulo EDITORIAL,
As mãos sujas de óleo do presidente, espalmadas nas costas do macacão da ministra Dilma Rousseff, na festa da primeira extração de petróleo da camada pré-sal, no litoral do Espírito Santo, serviram para marcar, literalmente, a sagração da titular do Gabinete Civil como a candidata de Lula à sua sucessão em 2010. Mais tarde, na mesma terça-feira, a "madrinha" do pré-sal, como a chamou o seu padrinho político, fez a sua parte. Falando em três eventos - um em Vitória e dois em São Paulo -, lançou o que tem tudo para ser o mote de sua campanha ainda não declarada. "O futuro já começou", disse, referindo-se ao petróleo do pré-sal. "Vem sendo construído pelo governo Lula." A questão presente, no entanto, é a temerária presunção - para a montagem de um espetáculo eleitoral - de que é fato consumado o que continuará a ser, sabe-se lá por quanto tempo, uma expectativa imersa em incertezas e na certeza de imensas dificuldades: o formidável tesouro que se presume acessível quilômetros abaixo do leito do oceano, em águas brasileiras.

Para capitalizar desde já os lucros político-eleitorais de uma riqueza que ainda não existe, Lula precisa começar pelo fim, anunciando as políticas sociais redentoras que o "bilhete premiado" do pré-sal inevitavelmente proporcionará, como se tudo o que vem antes já estivesse resolvido, para associá-las no imaginário popular a um futuro governo Dilma. Isso o leva a fazer um carnaval fora de propósito, descontadas as intenções eleitorais, como o de anteontem. Ao celebrar a extração inaugural do óleo da camada pré-sal, no Campo de Jubarte da Bacia de Campos, o presidente e o seu séquito se comportaram como se Jubarte fosse, do ponto de vista geológico e geográfico, uma amostra representativa de todo o pré-sal que se estende de Santa Catarina ao Espírito Santo. As jazidas verdadeiramente promissoras, porém, as do Campo de Tupi, na Bacia de Santos, são mais fundas (a mais de 6 mil metros, sob 2 quilômetros de sal, ante 200 metros debaixo do sal, no caso de Jubarte) e mais distantes (a 300 quilômetros da costa, em vez de 80 quilômetros).

Em Jubarte, a Petrobrás apenas conectou um poço 200 metros abaixo do sal na plataforma P-34 que já produzia petróleo de jazidas localizadas acima da camada de sal. As equações a resolver em Tupi são decerto mais complexas. A começar da busca de uma medição segura do volume passível de ser extraído - hoje fala-se em números disparatados, de 8 bilhões de barris a mais de 20 bilhões - e da qualidade das reservas. O que remete aos problemas essenciais que a retórica triunfalista do presidente escamoteia: quanto custará extrair o que existe efetivamente no pré-sal, qual será a relação custo-benefício da extração e de onde virão os vultosos recursos necessários para a exploração. O fator decisivo é a cotação do produto, que tem oscilado com uma rapidez desconcertante, por mera especulação do mercado. Em cerca de dois anos, o barril passou de US$ 30 para mais de US$ 100. Abaixo de determinado patamar, difícil de estabelecer de antemão, o negócio pode deixar de ser atrativo.

Dias atrás, numa palestra, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci - que não se deixa estontear pelos cenários de prosperidade garantida ao alcance da mão - chamou a atenção para o principal desafio posto desde já ao Brasil: como atrair os recursos indispensáveis à empreitada, tendo em conta que para os investidores ela só será viável economicamente com o preço do produto em alta. "Ou viabilizamos esse investimento", advertiu, "ou vamos ficar dizendo que ?o petróleo é nosso? - nosso lá embaixo da terra." Mandaria a decência política que o governo esclarecesse a sociedade sobre os fatores em jogo para não alimentar falsas esperanças. Mas isso, evidentemente, quebraria o encanto dessa autêntica operação de marketing eleitoral a que o presidente se entregou por inteiro - e o induz, entre outras coisas, à incoerência de ora criticar, ora glorificar a Petrobrás, promovida esta semana a "mãe da industrialização deste país" (o que é simplesmente falso).

"Deus passou por aqui e resolveu ficar", assegura Lula, "porque a (sua) sorte aumenta a cada dia." Nenhum brasileiro de mente sadia haverá de desejar que a sorte se revele, afinal, madrasta exatamente neste episódio das descobertas do pré-sal. Mas torcer pelo melhor para o País não significa omitir que Lula está brincando com a sorte.

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