Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 13, 2008

Ensaio sobre a cegueira

Ensaio sobre a cegueira

As comparações entre a crise atual e a de 1930
ignoram o novo papel dos países emergentes e o
desastre social de outros períodos de turbulência


Marcio Aith

Fotos Imaginechina e Bettmann/Corbis

DEPRESSÃO? QUE DEPRESSÃO?
Consumidores em shopping de Xangai (à esq.) e correntistas de um banco que quebrou no crash de 1930 nos Estados Unidos: diferenças


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As defesas da supereconomia

O filósofo americano Thomas Kuhn definiu o "paradigma da cegueira" em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, de 1962. Trata-se de um processo pelo qual análises consolidadas impedem que se enxerguem, com nitidez, situações novas. Algo semelhante parece estar ocorrendo ao se interpretarem a gravidade e a extensão da atual crise financeira mundial. Ela é grave, ninguém duvida – só neste ano, onze bancos quebraram em razão dos abalos financeiros iniciados em agosto do ano passado, e as estimativas de perdas com o crédito podre na economia americana giram entre 500 bilhões e 3 trilhões de dólares. Esses números levaram o investidor George Soros a compará-la, sem as reservas feitas pelos especialistas abaixo, ouvidos por VEJA, à Grande Depressão de 1930. A comparação gratuita impressiona, mas embute uma cegueira que, com cinismo, pode-se dizer que beira a esperteza. Quem propala perigos demais está, no fundo, pedindo confete, ou ajuda, dos governos. Abaixo, relatos do que foram crises profundas:

• Na Grande Depressão, a taxa de desemprego nos Estados Unidos saltou para 25%. Metade dos bancos fechou as portas e 90 000 empresas desapareceram.

• No período posterior à II Guerra Mundial, a população européia, 10% maior, alimentava-se com apenas quatro quintos da comida disponível na década de 30.

• Os choques do petróleo de 1973 e 1979 provocaram uma retração de 13% no comércio internacional e fizeram o desemprego na Europa quase triplicar. Na Inglaterra, o governo determinou que a indústria funcionasse apenas três dias na semana.

• O Japão passou a década de 90 arrastando a vergonhosa taxa de crescimento do PIB de 1% ao ano, em média, por causa do estouro da bolha que havia se formado nos mercados imobiliário e financeiro.

O que chama atenção na crise atual é o fato de a economia real, que envolve a indústria, o consumo e as exportações, estar indo bem, como se houvesse isolado a ameaça do setor financeiro. Mais importante, as autoridades financeiras das principais economias do planeta souberam tirar lições das hecatombes econômicas ocorridas no passado. O Tesouro americano e o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos), aliados a seus congêneres europeus, foram rápidos em injetar toda a liquidez necessária para que os mercados financeiros não sucumbissem. A mais recente ação nesse sentido foi a intervenção estatal nas duas gigantes hipotecárias americanas na semana passada. Esse trabalho coordenado impediu que houvesse um estiolamento completo nas linhas de crédito – como aconteceu no crash de 29, exacerbando a crise. Não se deve esquecer também que o mundo possui hoje pólos diversos de consumo e crescimento, principalmente na Ásia.

O capitalismo americano terá de se purgar de seus excessos, notadamente a bolha no preço dos imóveis – um desequilíbrio que vinha sendo apontado desde 2005 por dezenas de observadores, dos quais o mais enfático é o respeitado professor Robert Shiller, da Universidade Yale. As bolhas criam riqueza quando se inflam e destroem riqueza quando estouram. Desde a bolha de internet que se inflou nos anos 90 e estourou em 2000, o capitalismo turbinado pela hegemonia e pela globalização vem produzindo megacrises. Agora é a vez da bolha imobiliária. Ela será metabolizada, pois, como toda crise do capitalismo, essa traz em si o germe de sua própria solução.

Seis visões sobre a crise

Jean Ayissi/AFP

Kenneth Rogoff
Professor de economia de Harvard,
ex-economista-chefe do FMI

"Por sua profundidade e duração, é a maior crise financeira desde 1930. Empresas estão se desfazendo na bolsa. Esse efeito se espalha pelo mundo. O desemprego nos Estados Unidos já é o mais alto dos últimos quatro anos (6,1%). Há o risco real de a crise se espalhar para outras áreas da economia."

AP

Raghuram Rajan
Ex-economista-chefe do FMI, professor de finanças da Universidade de Chicago

"A crise acionária de 1987 foi curta. A atual é muito pior. O problema do crédito ainda nem apareceu de verdade. Por enquanto, os bancos ainda emprestam dinheiro para cumprir compromissos assumidos anteriormente. Vão conceder novos financiamentos quando isso acabar? Ninguém sabe."

Rogerio Pallatta/Valor/Folha Imagem

Armínio Fraga
Ex-presidente do Banco Central do Brasil

"A crise só não exibe o mesmo impacto social de 1930 porque o paciente foi colocado rapidamente na UTI pelas autoridades monetárias. Se o Fed e o Banco Central não tivessem agido prontamente desde o ano passado, as conseqüências teriam sido dramáticas para as pessoas e as empresas."

Gene J. Puskar/AP

Allan Meltzer
Professor de política econômica
da Universidade Carnegie Mellon

"É tentador exagerar um problema, principalmente quando existe um objetivo subjacente. Geralmente quem promove o exagero são os que se desdobram para obter ajuda do governo. O Congresso acostumou-se a atendê-los. O custo tem sido transferido aos contribuintes."

Guenter Schiffmann/Landov

Barry Eichengreen
Professor de economia da Universidade de Berkeley, ex-conselheiro do FMI

"Há uma tendência a dramatizar em excesso as experiências que se vive. A crise de 1930 — quando metade do bancos dos Estados Unidos faliu ou desapareceu — foi infinitamente mais séria. Prefiro pensar que a crise atual é ‘a pior da era recente da securitização em massa’. É um novo bicho."

Mel Evans/AP

Harvey Rosen
Diretor do Centro de Estudos de Políticas Econômicas de Princeton

"Muitos analistas aumentam a crise porque trabalham no setor financeiro. Para eles, realmente há um problema — suas empresas estão falindo, seus empregos estão em perigo. Isso influencia para piorar a percepção geral da crise. Mas o estado da economia como um todo não é tão ruim."

Com reportagem de Renata Moraes

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