editorial |
O Estado de S. Paulo |
17/9/2008 |
Com cerca de US$ 200 bilhões de reservas cambiais, o Brasil é hoje menos vulnerável a choques externos do que na crise de 1998-99, mas, apesar disso, o governo deveria preocupar-se um pouco mais com as perspectivas do comércio internacional. Grande exportador de produtos agrícolas e de outras commodities, o País pode ser afetado pela redução de preços dessas mercadorias. As cotações começaram a cair há mais de um mês e continuaram ladeira abaixo com o agravamento da crise financeira nos Estados Unidos. Para os mais otimistas, ocorre apenas um ajuste limitado, resultante da fuga dos especuladores. A partir da correção, os preços passarão a ser determinados pelas condições materiais do mercado, isto é, pela relação efetiva entre oferta e procura e pelas condições de segurança indicadas pelos estoques. Essa é a opinião manifestada pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Os menos otimistas levam em conta a rápida erosão do saldo comercial brasileiro e das transações em conta corrente. De janeiro a agosto deste ano o saldo comercial do agronegócio alcançou US$ 40,67 bilhões, resultado 25,52% superior ao de um ano antes. O valor exportado, US$ 48,50 bilhões, foi 27,9% maior que o de igual período de 2007. Mas a expansão da receita decorreu principalmente da elevação de preços no mercado internacional. A receita de soja e derivados, por exemplo, aumentou 71,38%, mas o volume embarcado só se expandiu 4,02%. No caso das carnes, a tonelagem vendida cresceu 4,32% de um ano para outro, mas o valor faturado subiu 36,92%. A mesma explicação vale para o resultado obtido com a venda de vários outros produtos, incluído o café. O ministro da Agricultura parece ter razão quanto a um ponto: eliminada a especulação, restarão os fundamentos de mercado e isso limitará o tombo das cotações. Pelas projeções atuais, as condições de suprimento da maior parte dos produtos pouco mudarão na próxima temporada. Em alguns casos, prevê-se até uma redução de estoques. Só se projeta um grande aumento para o trigo. O raciocínio mais otimista embute dois pressupostos evidentes: a procura de alimentos não mudará muito, mesmo com forte desaceleração do crescimento mundial, e as cotações perderão, com a fuga dos especuladores, apenas uma gordura dispensável. A primeira hipótese poderá ser confirmada, parcialmente, se a China e alguns outros emergentes mantiverem um crescimento vigoroso, ainda que um pouco menor que o dos últimos anos. A confirmação da segunda hipótese é mais difícil: a gordura dos preços pode fazer falta às contas brasileiras, se não se aumentar o volume embarcado. Além disso, é preciso levar em conta a rentabilidade dos produtores. Neste momento, os preços agrícolas ainda são maiores do que eram no ano passado, mas os custos de produção também subiram e talvez não caiam tanto quanto as cotações dos produtos. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) iniciou na segunda-feira a primeira pesquisa sobre o plantio da safra 2008-2009. Dia 8 o público saberá como as mudanças no mercado afetaram as decisões de produção. De qualquer forma, seria bom o governo levar em conta o risco de enfraquecimento das contas externas. Para a balança comercial, o mercado financeiro projeta superávit de US$ 23,60 bilhões em 2008 e de US$ 13 bilhões em 2009. O déficit em conta corrente deverá atingir US$ 28 bilhões neste ano e US$ 34 bilhões no próximo. O investimento estrangeiro direto deverá ser mais que suficiente para tapar o buraco em 2008, mas não em 2009, pelas estimativas do setor financeiro. Mas pelo menos uma respeitada consultoria, a MB Associados, estima para o próximo ano um superávit comercial de apenas US$ 4,4 bilhões. Pelo menos por elementar precaução o governo deveria examinar essa hipótese. O resultado das contas externas dependerá em boa parte da expansão da demanda interna, em grande parte determinada pelo gasto público. Também disso o governo deveria cuidar: quanto mais ele ficar preso a despesas “contratadas”, por meio de aumentos salariais e de vinculações, tanto menos poderá manejar o orçamento, ficando o custo do ajuste para empresas e trabalhadores. |
Entrevista:O Estado inteligente
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