O que está em jogo nas discussões do governo sobre o petróleo do pré-sal não é se o modelo de exploração será norueguês, mexicano, árabe ou venezuelano. O que interessa mesmo é a partilha da riqueza que será extraída do fundo do mar. Mais objetivo entre os que discutiram o assunto com o presidente Lula na terça-feira, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi claro e direto: "O que precisa definir é como esse dinheiro do pré-sal vai ser apropriado."
Não é por outra razão que o governo federal quer criar uma estatal só para o petróleo do pré-sal: centraliza o dinheiro em Brasília e o distribui. De que forma? A comissão interministerial pode até vir a definir alguns critérios, mas alguém acredita que eles serão seguidos? Se o dinheiro da CPMF - uns trocados em comparação com o pré-sal - serviu para tudo menos para a saúde, como determinava a lei, imagine a mina de ouro deste petróleo!
Citado como bom exemplo por alguns ministros, o modelo da estatal norueguesa Petoro não se adapta aos hábitos e costumes dos governantes brasileiros. A começar pela limitação imposta em lei de possuir, no máximo, 60 empregados - um quadro que o apetite dos partidos políticos considera ridículo para uma estatal brasileira (a Empresa de Política Energética deveria funcionar com um núcleo de 20 pessoas, e hoje tem quase 200). Afinal, divisão de poder é fundamental para a partilha do dinheiro e para atender às "necessidades" partidárias.
Mas não há dúvida de que a partilha do pré-sal precisa ser ampliada. Hoje o dinheiro de taxas pagas por empresas petrolíferas é distribuído entre a União, 10 Estados e 900 municípios localizados nas áreas de produção. Por concentrar quase 80% da produção, o Rio de Janeiro é o Estado mais bem aquinhoado e Campos dos Goytacazes, o município. Livres de qualquer fiscalização, muitos prefeitos usam o dinheiro para fazer política e não beneficiam os habitantes. É o que tem acontecido em Campos, há anos sob influência política do ex-governador Anthony Garotinho e que, sozinho, deve receber perto de R$ 1 bilhão em 2008 - sua população continua muito pobre, sem saúde e educação adequadas.
É justo distribuir o dinheiro entre todos os brasileiros e não só entre aqueles que tiveram a sorte de viver em frente ao mar onde há petróleo. Mas como? A pior saída é concentrar a receita do pré-sal em uma única estatal. Seria abrir caminho para a manipulação política de parte do presidente do momento, distribuindo generosidades para este ou aquele governador ou prefeito amigo e negando a outros que o desagradem. Uma distribuição justa requer descentralização, regras e critérios inteligentes, fiscalização rigorosa dos tribunais de contas, obrigar governadores e prefeitos a divulgarem informações sobre a aplicação da receita, sob risco de punição pela Lei Fiscal, enfim, dar ferramentas para a população local fiscalizar e cobrar. Se é possível fazer chegar o dinheiro do Bolsa-Família para 11 milhões de cadastrados, mais ainda será distribuir os lucros do pré-sal entre prefeituras de 5.563 municípios.
Na Noruega a renda do petróleo é vinculada à Previdência e busca garantir o bem-estar das futuras gerações. No Brasil, o presidente Lula defendeu a idéia de aplicá-la prioritariamente em educação. Ele e todos os ex-presidentes sabem que políticas sociais, educação e saúde precisam ser descentralizadas para fazer chegar aos que precisam. Não será com aulas de Brasília que uma criança ribeirinha do Rio Amazonas vai aprender a ler.
Há, porém, uma dificuldade: os critérios de distribuição de royalties entre Estados e municípios estão consagrados em lei e qualquer mudança teria de passar por uma longa e difícil discussão e aprovação no Congresso. Da mesma forma que a mudança na Lei do Petróleo e a criação de uma estatal nova, como quer o governo. As duas fórmulas são demoradas e depender delas significa atrasar nos investimentos e na extração do óleo no pré-sal.
A solução lógica seria o governo parar de querer reinventar a roda e usar o sistema de concessões e licitações de áreas que já existe. Mas com uma significativa diferença no caso do pré-sal: elevar a taxa de Participação Especial (PE) paga pelas empresas num patamar que produza a mesma receita a ser cobrada pela estatal. A vantagem é que esta solução não precisa ir ao Congresso, basta um decreto do presidente da República. O resto é despolitizar a Agência Nacional do Petróleo e deixar com ela a regulação do pré-sal.
*Suely Caldas é jornalista e professora de Comunicação da PUC-RJ. E-mail: sucaldas@terra.com.br
Não é por outra razão que o governo federal quer criar uma estatal só para o petróleo do pré-sal: centraliza o dinheiro em Brasília e o distribui. De que forma? A comissão interministerial pode até vir a definir alguns critérios, mas alguém acredita que eles serão seguidos? Se o dinheiro da CPMF - uns trocados em comparação com o pré-sal - serviu para tudo menos para a saúde, como determinava a lei, imagine a mina de ouro deste petróleo!
Citado como bom exemplo por alguns ministros, o modelo da estatal norueguesa Petoro não se adapta aos hábitos e costumes dos governantes brasileiros. A começar pela limitação imposta em lei de possuir, no máximo, 60 empregados - um quadro que o apetite dos partidos políticos considera ridículo para uma estatal brasileira (a Empresa de Política Energética deveria funcionar com um núcleo de 20 pessoas, e hoje tem quase 200). Afinal, divisão de poder é fundamental para a partilha do dinheiro e para atender às "necessidades" partidárias.
Mas não há dúvida de que a partilha do pré-sal precisa ser ampliada. Hoje o dinheiro de taxas pagas por empresas petrolíferas é distribuído entre a União, 10 Estados e 900 municípios localizados nas áreas de produção. Por concentrar quase 80% da produção, o Rio de Janeiro é o Estado mais bem aquinhoado e Campos dos Goytacazes, o município. Livres de qualquer fiscalização, muitos prefeitos usam o dinheiro para fazer política e não beneficiam os habitantes. É o que tem acontecido em Campos, há anos sob influência política do ex-governador Anthony Garotinho e que, sozinho, deve receber perto de R$ 1 bilhão em 2008 - sua população continua muito pobre, sem saúde e educação adequadas.
É justo distribuir o dinheiro entre todos os brasileiros e não só entre aqueles que tiveram a sorte de viver em frente ao mar onde há petróleo. Mas como? A pior saída é concentrar a receita do pré-sal em uma única estatal. Seria abrir caminho para a manipulação política de parte do presidente do momento, distribuindo generosidades para este ou aquele governador ou prefeito amigo e negando a outros que o desagradem. Uma distribuição justa requer descentralização, regras e critérios inteligentes, fiscalização rigorosa dos tribunais de contas, obrigar governadores e prefeitos a divulgarem informações sobre a aplicação da receita, sob risco de punição pela Lei Fiscal, enfim, dar ferramentas para a população local fiscalizar e cobrar. Se é possível fazer chegar o dinheiro do Bolsa-Família para 11 milhões de cadastrados, mais ainda será distribuir os lucros do pré-sal entre prefeituras de 5.563 municípios.
Na Noruega a renda do petróleo é vinculada à Previdência e busca garantir o bem-estar das futuras gerações. No Brasil, o presidente Lula defendeu a idéia de aplicá-la prioritariamente em educação. Ele e todos os ex-presidentes sabem que políticas sociais, educação e saúde precisam ser descentralizadas para fazer chegar aos que precisam. Não será com aulas de Brasília que uma criança ribeirinha do Rio Amazonas vai aprender a ler.
Há, porém, uma dificuldade: os critérios de distribuição de royalties entre Estados e municípios estão consagrados em lei e qualquer mudança teria de passar por uma longa e difícil discussão e aprovação no Congresso. Da mesma forma que a mudança na Lei do Petróleo e a criação de uma estatal nova, como quer o governo. As duas fórmulas são demoradas e depender delas significa atrasar nos investimentos e na extração do óleo no pré-sal.
A solução lógica seria o governo parar de querer reinventar a roda e usar o sistema de concessões e licitações de áreas que já existe. Mas com uma significativa diferença no caso do pré-sal: elevar a taxa de Participação Especial (PE) paga pelas empresas num patamar que produza a mesma receita a ser cobrada pela estatal. A vantagem é que esta solução não precisa ir ao Congresso, basta um decreto do presidente da República. O resto é despolitizar a Agência Nacional do Petróleo e deixar com ela a regulação do pré-sal.
*Suely Caldas é jornalista e professora de Comunicação da PUC-RJ. E-mail: sucaldas@terra.com.br