O GLOBO - 12/03
A derrota do governo na votação do requerimento da criação de uma comissão externa para investigar na Holanda denúncias de corrupção na Petrobras foi o resultado de um dia inteiro de negociações para contornar a rebelião dos partidos da base, comandados pelo PMDB da Câmara.
Há duas facetas nesta crise política. A primeira, mais aparente, é a dissidência interna que revela o incômodo com a falta de reciprocidade do governo ao apoio dos partidos da aliança governista e, sobretudo, do próprio PMDB, que se sente sub-representado no governo Dilma.
Esse seria, na visão que o governo gosta de divulgar, o interesse fisiológico do PMDB, sobretudo na bancada da Câmara, que está em estado de rebelião e ontem se declarou avalista da ação do líder Eduardo Cunha, que o governo tentou em vão isolar dentro do partido.
Outra faceta, acobertada politicamente, é o projeto hegemônico do PT que, a longo prazo, pretende se ver livre não apenas do PMDB mas da maioria dos partidos que fazem parte da bancada aliada no Congresso.
O que mais se ouviu ontem nos discursos dos deputados, durante a votação do requerimento, foi que o governo Dilma tentou arrogantemente esmagar a ação do PMDB e dos demais partidos da base governista.
O próprio presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, ajudou a votação do requerimento, recusando o pretexto que o deputado Sibá Machado lhe deu, citando uma longínqua decisão da Câmara.
A bancada do Senado do PMDB tentou desqualificar a liderança do deputado Eduardo Cunha, como se ela não representasse a vontade da maioria real dos deputados do partido. E a vontade da maioria da Câmara foi tão clara que alguns partidos da base, como o PR, votaram unanimemente contra o governo que apoiam.
A sensação dos deputados era de uma declaração de independência em relação ao governo central, mesmo daqueles que não querem deixar de apoiar a presidente Dilma por ainda estarem convencidos de que ela é favorita na corrida presidencial.
De qualquer maneira, surgiu ontem no plenário da Câmara um movimento de pressão contra a maneira como o Palácio do Planalto vem lidando com seus ainda aliados. O que une essa maioria que apareceu no placar eletrônico é a rejeição à ação autoritária da presidente Dilma e, sobretudo, ao projeto de hegemonia do PT, de longo prazo e com objetivos claros de não precisar de apoios para governar o país.
Muitos deputados aproveitaram para desabafar na tribuna da Câmara, na tentativa de deixar portas abertas para uma retomada das discussões, pedindo uma relação mais adequada. Mas o fortalecimento da liderança do deputado federal Eduardo Cunha deve dificultar uma mudança do quadro, pois o que o Palácio do Planalto queria ontem era uma prova de que Cunha não representava a linha política do PMDB, o que foi desmentido pela votação do requerimento e, sobretudo, pelo documento de apoio da bancada à sua liderança.
O presidente do PMDB Valdir Raupp chegou a dar uma declaração forte desautorizando a atuação de Cunha, mas os fatos falaram mais alto. Em se tratando do PMDB, não será de se estranhar se a cúpula do partido reconhecer que a tendência da bancada de deputados é, na verdade, a da maioria das bases do partido.
Uma vitória como a de ontem, que chegou a ser comemorada por deputados de oposição como sendo o início do fim do governo Dilma, num evidente exagero, tem um peso político que não pode, no entanto, ser desprezado. Resta saber agora se a presidente Dilma terá capacidade de rever seus métodos de negociação com os partidos da base aliada.
Para isso, ela teria que ter uma humildade que não tem sido sua característica nos últimos anos. Ao contrário, a expectativa na Câmara ontem era de que ela tentaria retaliar a decisão do plenário, o que só dificultaria as relações já tão conturbadas na base aliada.
Como está convencida de que brigar com os políticos reforça a imagem de austeridade que agrada a classe média, pode ser que a presidente Dilma tente radicalizar em vez de negociar com os deputados do PMDB.
Ontem foi o dia em que a presidente Dilma ficou menor que o deputado Eduardo Cunha.