Tão feia e preocupante quanto o crônico caos na saúde pública do país é a radiografia do sistema feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a partir de uma auditoria em 116 hospitais gerais e prontos-socorros nos estados e no Distrito Federal. Divulgado no GLOBO de ontem, o levantamento é uma chave essencial para ajudar a entender as razões que levam os brasileiros a penar em corredores, ambulatórios e enfermarias do Sistema Único de Saúde (SUS). Num quadro em que se misturam mau atendimento, déficit de profissionais, desleixo e leniência, revela-se uma realidade inquestionável: talvez mais do que a falta de verbas, alegação sempre presente quando se trata de “justificar” a ineficiência da rede oficial, a estrutura sofre do mal generalizado de gestão inepta.
O diagnóstico do TCU se baseia em exemplos absurdos, que revelam nítidos problemas de administração — como a destinação inadequada de equipamentos. Há casos como o de um hospital do Rio em que aparelhos de ultrassonografia permaneciam encaixotados, portanto sem uso, na ocasião da visita dos auditores do TCU; ou de uma máquina de endoscopia inativa porque a unidade hospitalar (em Mato Grosso do Sul) não dispunha de uma sala onde a pudesse instalar; ou ainda (em Mato Grosso) o de um aparelho também inoperante à espera da ampliação da rede de energia e, no Maranhão, de dois hospitais que receberam equipamentos sem necessidade.
São evidências gritantes de inaptidão gerencial, que se juntam a demandas crônicas — algumas até ditadas por problemas de verbas, principalmente por sua má aplicação — como déficit de pessoal (em 81% dos hospitais), redução acentuada do número de leitos oferecidos pelos SUS (somente na gestão da presidente Dilma Rousseff, em torno de 3,2%). É bem verdade que, neste quesito, o fenômeno não está circunscrito ao Brasil, mas o fato é que, em comparação com nações europeias, é desabonador o perfil do país, à frente apenas da Turquia na relação leitos/população. Há outros dados igualmente preocupantes, como superlotação das emergências em 64% das unidades e a anômala situação de haver uma concentração de leitos de UTI fora do SUS, num país em que a maioria da população é usuária do sistema público.
O levantamento é eficaz roteiro para que sejam estudadas as mazelas do SUS com as lentes da realidade de uma rede pública em sua maioria ineficiente, desmontando a ideia de que mais verba seria uma panaceia, quando o que se tem é uma falência múltipla de gerenciamento. Governos, principalmente os que se alinham com Brasília, rebarbam a opção por gestões baseadas em metas, em vez de ideologia, e com cobrança de produtividade. Caso, por exemplo, da administração de hospitais por organizações sociais — experiência que se mostrou acertada onde foi implantada. A auditoria do TCU ajuda a dar a medida do custo social dessa insensibilidade.
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