O Globo
O voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo do chamado
“mensalão do PSDB mineiro”, que enviou para a primeira instância da
Justiça de Minas a acusação contra o ex-governador e ex-presidente do
PSDB Eduardo Azeredo, depois que ele renunciou ao mandato de deputado
federal, tem servido aos petistas e suas redes de blogs militantes,
pagos ou não, como prova de que a Ação Penal 470, a do “mensalão
petista”, teve um tratamento de exceção, pois deveria ter sido
desmembrada e enviada para a primeira instância no que tange aos réus
que não tinham mandato parlamentar, como o ex-ministro José Dirceu.
No voto de Barroso há uma interessante análise do foro por prerrogativa
de função, e o desmembramento dos processos. Como o chamado foro
privilegiado é a exceção, explica Barroso em seu voto, a regra é que se
dê o desmembramento do processo quando existam réus que não desfrutem de
tal prerrogativa. “Este fato, com frequência, traz embaraços para a
investigação, que acaba ficando fragmentada”.
A propósito, ele destaca que “a jurisprudência da Corte já vem admitindo
a possibilidade de prorrogar sua competência para conduzir o inquérito
ou realizar o julgamento de réus desprovidos da prerrogativa de foro,
nos casos em que o desmembramento seja excessivamente prejudicial para a
adequada elucidação dos fatos”.
Ora, foi justamente essa a razão por que o plenário do STF aprovou o não
desmembramento do processo do “mensalão petista”, compatível com a
jurisdição daquela Corte. Barroso, aliás, já propôs que seja definida
uma regra para o desmembramento de processos. O mesmo raciocínio levou o
ministro Barroso a propor um critério geral para acabar com o que
classifica “a farra que é o foro por prerrogativa de função”.
Ele deu em seu relatório exemplos de como “o processo sobe e desce, vai e
vem”. Sua proposta, que teve 4 votos (o dele, o de Teori Zavascki, o de
Luiz Fux e o de Joaquim Barbosa), é definir o recebimento da denúncia
como o momento a partir do qual a renúncia não impedirá mais que o
processo continue a ser julgado pelo STF “tendo em vista a necessidade
de se preservar a seriedade da jurisdição, evitando que o foro
privilegiado se converta em objeto de manipulação”.
Mesmo nessa posição, o relator votou a favor do encaminhamento do
processo à 1ª instância. Na definição de Barroso, “a questão concreta,
apesar da carga política, era relativamente simples do ponto de vista
técnico. Em matéria penal, não há como mudar jurisprudência para trás”.
Ele acha que “a ideia de que é preciso um critério geral mais rígido vai
prevalecer um pouco mais à frente”. Barroso aproveitou seu voto para
propor a reformulação do foro por prerrogativa de função. Pela proposta,
o foro privilegiado do STF deveria ser limitado a um número reduzido de
autoridades, como o presidente da República, o vice-presidente, os
presidentes do Senado e da Câmara, o procurador-geral da República e os
ministros da própria Corte.
Para as demais, “para não deixar a autoridade pública sujeita à má-fé ou
ao oportunismo político de ações penais em qualquer parte do país”,
seria criada uma Vara Especializada em Brasília, com um juiz titular
para julgar ações penais e outro juiz titular para julgar ações de
improbidade, escolhidos pelo STF.
Essa vara e esses juízes seriam competentes para as ações penais e de
improbidade contra os parlamentares, ministros e autoridades federais
que hoje têm foro privilegiado.
Tais juízes serviriam por um prazo certo, algo em torno de quatro anos
ou cinco. Ao final, eles seriam automaticamente promovidos para o
Tribunal Regional Federal, na 1ª vaga disponível para membros da
magistratura. Isso daria a eles independência. Não poderiam, por dois ou
três anos, ser promovidos para instância mais elevada, para que não
utilizassem o cargo como trampolim.
Da decisão do STF sobre o “mensalão mineiro” ficou a sensação de que
mais uma vez a decisão do plenário correspondeu ao entendimento técnico
de seus membros.
Além de notar que a decisão, em tese beneficiando o PSDB em ano
eleitoral, foi tomada com base no relatório de um dos ministros acusados
de terem entrado no STF para amenizar as penas dos mensaleiros
petistas, é preciso destacar que o único voto contra o envio do processo
para a 1ª instância foi o do presidente do STF, ministro Joaquim
Babosa, aquele acusado pelos petistas de ter sido o algoz no julgamento
do mensalão