EATADÃO
Que vai mal o experimento chavista para converter América Latina em laboratório para do “socialismo do século 21”, há pouca dúvida. Após cinco semanas de revolta franca na Venezuela, com saldo de 28 mortos e nenhuma trégua à vista, o herdeiro acidentado de Hugo Chávez segue cambaleante, rumo ao precipício.
A conclusão é do o sociólogo mexicano de sangue alemão Heinz Dietrich, ex-mentor de Chávez, que em entrevista à revista Der Spiegel, desancou contra a “catastrófica situação econômica e a incapacidade do governo” de Nicolás Maduro, a quem dava “não mais do que oito semanas” no Palácio de Miraflores. “Até para os mais adeptos do chavismo, está claro que sua política significa o fim da era bolivariana”, emendou.
Será? Há quem enxergue nas convulsões venezuelanas um presságio continental. Afinal, caudilhos populistas da cepa bolivariana estão em apuros. Cristina Kirchner enfrenta panelaços na rua e traições na bancada peronista. A aposta radical esbarrou nos eleitores moderados em Honduras, com a derrota da chavista Xiomara Castro, e na Costa Rica, onde o socialista José María Villalta nem chegou ao segundo turno.
Manobras. Sim, um ex-guerrilheiro elegeu-se em El Salvador, mas sua vantagem suada (6 mil dos 3 milhões de votos) é um sinal de que precisará governar no fio da navalha. Já no Paraguai, a esperança da esquerda foi humilhada por Horacio Cartes, um magnata do tradicionalíssimo Partido Colorado.
“O fim das ditaduras latino-americanas está próximo”, festejou o historiador mexicano Enrique Krauze, num artigo recente. Faltou avisar Rafael Correa. Enquanto os companheiros tropeçam, o caudilho equatoriano segue confiante, mesmo quando derrapa. Sim, Correa saiu contundido das eleições municipais de fevereiro, onde sua Aliança País perdeu em nove das dez maiores cidades equatorianas. Entre elas, na capital, Quito, e no centro econômico do país, Guayaquil. A derrota confirma o abismo no país andino, onde a população urbana, mais moderna e próspera se choca com as zonas camponesas, preteridas e pobres.
Para um líder menos seguro de si, esse resultados seriam uma advertência. Para o patrono da “Revolução Cidadã”, são combustível. Na sua cruzada para reinventar o país andino, Correa segue avante como sempre seguiu, solando. Tocando o país como quer, Correa aperfeiçoou seu estilo rolo compressor.
Revestiu os tribunais com togas amigas. Cercou a mídia independente e criou canais de televisão e rádio estatais. Para quem não se conformou ao cabresto, o governo moveu ações milionárias que, levadas a cabo, arruinariam instituições e carreiras. Foi o caso dos diretores do jornal El Universal, que, por desagradarem ao caudilho, foram condenados a indenizá-lo em US$ 40 milhões, cada um. Seu principal colunista, Emilio Palacio, teve de fugir para Miami, onde ganhou asilo.
Após a fúria internacional, Correa “perdoou” Palacio e suspendeu a punição, mas a condenação permaneceu. Um lembrete de que o rei é misericordioso, quando quer. Em janeiro, um tribunal correísta mandou um chargista “corrigir” uma caricatura que ofendera o mandatário, publicando outra mais lisonjeira.
Volta. Nada disso parece ofuscar o carismático líder equatoriano que, diferentemente da sua aliança governante, ostenta índices pessoais invejáveis. Nem se manchou com a revelação recente de que seu governo negociava com petroleiras chinesas o direito de perfurar poços na reserva do Yasuni, ao mesmo tempo em que exigia que investidores internacionais pagassem US$ 3,6 bilhões ao país para deixar intocado o petróleo debaixo da floresta esplendorosa.
Agora, Correa converte o rechaço das urnas em combustível político. Remexeu seus ministérios e já mobiliza a bancada parlamentar, onde tem supermaioria, para mais uma reforma constitucional para esticar sua estadia no poder. Assim, enquanto Venezuela está em brasa viva e o sucessor de Chávez, na berlinda, o bolivariano do Teflon, em que nada pega, marcha ininterrupto. Rumo a 2017.
É COLUNISTA DO 'ESTADO' E CHEFE DA SUCURSAL BRASILEIRA DO PORTAL DE NOTÍCIAS VOCATIV