Pela primeira vez, o Banco Central (BC) admite que a política de preços dos combustíveis e da energia elétrica, imaginada como recurso (populista) para evitar inflação, na verdade, produz inflação.
Isso está dito na página 77 do Relatório de Inflação divulgado ontem: "Os preços administrados encontram-se desalinhados, em patamares baixos". E mais adiante: "O Copom entende que uma fonte relevante de risco para a inflação reside no comportamento de expectativas impactadas (...) pelas incertezas que cercam a trajetória de preços com grande visibilidade, como o da gasolina e o de alguns serviços públicos, como eletricidade".
Em outras palavras, o BC adverte que, diante da falta de firmeza nas regras que cercam os preços administrados (cujo reajuste depende de decisão do governo), os fazedores de preços se adiantam em remarcações defensivas e, assim, ajudam a produzir inflação.
O BC reprojetou para cima o avanço dos próprios preços administrados (25% da economia), que cresceram somente 1,5% em 2013, quando a inflação foi de 5,9%, e deverão crescer apenas 5,0% neste ano, quando a inflação será de pelo menos 6,1%. Portanto, além de não tirar o atraso de 2013, os preços administrados aumentarão seu atraso em 2014. Ou seja, sobrará uma herança maldita para quem ocupar a chefia do governo em 2015.
Outro choque de preços denunciado pelo Relatório de Inflação é o impacto dos custos salariais. Este não é fator novo. Nova é apenas a ênfase das advertências do BC. A inflação dos salários é de 9%, "nível muito, muito elevado" acrescentou ontem o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo. Ele, no entanto, espera que esse custo seja moderado nos próximos meses.
No entanto, a maior preocupação que permeia o Relatório de Inflação é a dificuldade encontrada pelo BC para controlar a alta de preços depois de uma luta que já dura 11 meses e de uma puxada acumulada nos juros básicos (Selic) de 3,5 pontos porcentuais, para 10,75% ao ano.
Embora tenha se esforçado para recuperar credibilidade, o BC é também responsável (embora não o reconheça) pela enorme resistência da inflação. Em primeiro lugar, dispôs-se a derrubar artificialmente os juros entre julho de 2011 e outubro de 2012. Em segundo, continua tolerante com a flácida política fiscal do governo federal. Chegou a passar meses denunciando em seus documentos o "balanço excessivamente expansionista das contas públicas", mas desde agosto de 2013, sem que nada de substancial tivesse mudado e sem justificativas convincentes, passou a repetir o mantra de que "se criam condições para que o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade no horizonte relevante da política monetária".
Não foi o que disse, por exemplo, a Standard & Poor's na última terça-feira, quando rebaixou a nota de risco da dívida brasileira. E, decididamente, não é essa a percepção dos agentes econômicos cuja expectativa o BC busca conduzir.
Em todo caso, há mais realismo nas avaliações do BC, que contribuem para duas coisas: para justificar as estocadas nos juros em abril e maio e para a expressiva recuperação da credibilidade do presidente Alexandre Tombini que, aparentemente, move suas peças para credenciar-se a ocupar o Ministério da Fazenda do próximo governo.