FOLHA DE SP - 30/09
O julgamento do STF realiza-se à vista de milhões de telespectadores. Não é uma conspiração
GOSTARIA DE deixar claro que não tenho nada de pessoal contra o ex-presidente Lula, nem nenhum compromisso partidário, eleitoral ou ideológico com ninguém. Digo isso porque, nesta coluna, tenho emitido, com alguma frequência, opiniões críticas sobre a atuação do referido político, o que poderia levar o leitor àquela suposição.
Não resta dúvida de que tenho sérias restrições ao seu comportamento e especificamente a certas declarações que emite, sem qualquer compromisso com a verdade dos fatos. E, se o faço, é porque o tenho como um líder político importante, capaz de influir no destino do país. Noutras palavras, o que ele diz e faz, pela influência de que desfruta, importa a todos nós.
E a propósito disso é que me surpreende a facilidade com que faz afirmações que só atendem a sua conveniência, mas sem qualquer compromisso com a verdade. É certo que o faz sabendo que não enganará as pessoas bem informadas, mas sim aquelas que creem cegamente no que ele diga, seja o que for.
Exemplo disso foi a entrevista que deu a um repórter do "New York Times", quando voltou a afirmar que o mensalão é apenas uma invenção de seus adversários políticos. E vejam bem, ele fez tal afirmação quando o Supremo Tribunal Federal já julgava os acusados nesse processo e já havia condenado vários deles. Afirmar o que afirmou em tais circunstâncias mostra o seu total descompromisso com a verdade e total desrespeito com às instituições do Estado brasileiro.
Pode alguém admitir que a mais alta corte de Justiça do país aceitaria, como procedentes, acusações que fossem meras invenções de políticos e jornalistas irresponsáveis?
E mais: os ministros do STF passaram sete anos analisando os autos desse processo, tempo mais que suficiente para avaliá-lo. Afirmar, como faz Lula, que tudo aquilo é mera invenção equivale a dizer, implicitamente, que os ministros do STF são coniventes com uma grande farsa.
Mas o descompromisso de Lula com os fatos parece não ter limites. Para levar o entrevistador do "NYT" a crer na sua versão, disse que não precisava comprar votos, pois, ao assumir a Presidência, contava com a maioria dos deputados federais.
Não contava. Os verdadeiros dados são os seguintes: o PT elegera 91 deputados; o PSB, 24,; o PL, 26, o PC do B, 12, num total de 153 deputados. Mesmo com os eleitos por partidos menores, cuja adesão negociava, não alcançava a metade mais um dos membros da Câmara Federal.
Cabe observar que ele não disse ao jornalista norte-americano que não comprou os deputados porque seria indigno fazê-lo. Disse que não os comprou porque tinha maioria, ou seja, não necessitava comprá-los. Pode-se deduzir, então, que, como na verdade necessitava, os comprou. Não há que se surpreender, Lula é isso mesmo. Sempre o foi, desde sua militância no sindicato. Para ele, não há valores: vale o que o levar ao poder ou o mantiver nele.
Sucede que, apesar do que diga, ninguém mais duvida de que houve o mensalão. Pior ainda, corre por aí que o Marcos Valério está disposto a pôr a boca no mundo e contar que o verdadeiro chefe da patranha era o Lula mesmo, como, aliás, sempre esteve evidente. E já o procurador-geral da República declarou que, se os dados se confirmarem, o processará. É nessas horas que o Lula falastrão se cala e desaparece. Às vezes, chama Dilma para defendê-lo.
Desta vez, chamou o Rui Falcão, presidente do PT, para articular o apoio dos líderes da base política do governo. Disso resultou um documento desastroso, que chega ao ponto de acusar o Supremo de perpetrar um golpe de Estado contra a democracia, equivalente aos golpes que derrubaram Vargas e João Goulart. Pode? Vargas e Goulart, como se sabe, foram depostos pela extrema direita com o apoio de militares golpistas.
O julgamento do STF realiza-se às claras, à vista de milhões de telespectadores. Não é uma conspiração. Ele desempenha as funções que a Constituição lhe atribui. E que golpe é esse contra um político que não está no poder?
O tal manifesto só causou constrangimento. O governador Eduardo Campos, de Pernambuco, deu a entender que foi forçado a assiná-lo, após rejeitar três versões dele. Enfim, mais um vexame. Só que Lula, nessas horas, não aparece. Manda alguém fazer por ele, seja um manifesto, seja um mensalão.
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