Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 23, 2012

Bobagens sobre Russomano - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE S. PAULO - 23/09



Análises sobre "eleitor consumidor" e "classe C" são vazias de conceitos, de bom senso e ruins de aritmética



EXISTE AGORA um "eleitor consumidor", diferente do "eleitor cidadão", um indivíduo que "consome a cidade", um animal político-eleitoral novo, identificado com a "classe C". Por isso, Celso "tá bom pra você" Russomano lidera para prefeito de São Paulo.

De longe, é o que a gente mais ouve sobre a eleição paulistana, afora a falação sobre igrejas evangélicas ("de longe": este colunista ora mora nos EUA).

Parece quase tudo bobagem.

A primeira bobagem é atribuir identidade comum a todas as famílias com renda entre R$ 1.270 e R$ 5.480 (dois a nove salários mínimos, mais ou menos). Por que uma classificação estatístico-econômica imediatamente identifica o cidadão como isso ou aquilo em termos políticos, sociológicos etc.?

Mas passemos; deixemos de lado o clichê analítico mais vazio e tolo da década (cadê os sociólogos?).

Outra bobagem, aritmética: Russomano tem tantos ou mais votos na classe "Z" (das famílias que recebem até dois salários mínimos) do que na "C". E o sujeito mais pobre vota em Russomano por algum motivo essencialmente diferente dos "C"? Mistério.

Russomano faz sua grande diferença sobre José Serra e Fernando Haddad nas periferias mais pobres, leste e sul. Lá onde o PT fez maioria nas últimas três ou quatro eleições. Por que será?

O fato de Haddad ser um novato-noviço desconhecido não ajudou a derrubar a votação petista? E o desgaste de Serra? O fato de Russomano estar há décadas na praça do mercado (televisivo e eleitoral) não lhe dá vantagem sobre Haddad?

A "classe C" da estatística econômica ganha de dois a nove salários mínimos (amplitude enorme, aliás). Nas famílias que recebem entre dois e cinco salários, Serra e Haddad, juntos (33%), estão pertinho de Russomano (39%), segundo o último Datafolha ("empate técnico"). Trata-se do grosso da "classe C" (uns 90% do total).

Se considerada também a "elite da classe C" (cinco a nove salários), o resultado fica ainda mais para empate mesmo.

De resto, como Russomano pode ser o querido dos "C" se mais de 61% dessa "classe" não vota nele? Não faz lé com cré.

De resto, os eleitores que não votam em Russomano são mais "cidadãos" e menos "consumidores"? Seja lá o que signifiquem os rótulos, parece conversa fiada. O eleitor é uma mistura adúltera de tudo em termos de "práticas sociais", não é isto ou aquilo.

O sujeito que votava em Maluf porque gostava de ver bandido morto e de trejeitos mussolinianos era "cidadão" ou "consumidor" de segurança? Era um afascistado pobre e ignaro que, por ganhar uns reais a mais, agora pensa mais em TV de plasma e no Corsa "zero bala" do que na Rota?

Há uma "onda de consumismo por aí"? A família que ganha até três salários mínimos, R$ 1.866, uns R$ 500 per capita (mais de metade do eleitorado), tem o luxo de ser "consumista"? Francamente.

O eleitor passou a "consumir a cidade" só agora? Não se incomodava antes com transporte e serviço de saúde ruins? Quando a esquerda fazia (ou mais escrevia sobre) "movimentos sociais", o sujeito que queria hospital era "cidadão" e agora é "consumidor"? Os mais "ricos" atolados no trânsito não "consomem" a cidade? Francamente.

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