FOLHA DE SP - 23|09
A atuação dos bancos centrais tem gerado, em círculos especializados, intensa discussão sobre o seu papel.
Esse debate é mais importante do que parece. O sucesso ou o fracasso de decisões recentes do Banco Central Europeu (BCE) e do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) terá impacto direto na vida de milhões de pessoas. Poderá significar mais emprego ou desemprego e mesmo fome para muita gente no mundo.
O BCE decidiu comprar dívidas dos países do sul da Europa em dificuldades desde que aceitem reformas estruturais visando maior competitividade. Já o Fed anunciou mais apoio ao setor imobiliário e o prolongamento de outros estímulos.
A conclusão de alguns analistas é que isso significa mudança radical do papel dos BCs, já que, no passado, eles buscavam controlar a inflação e, agora, agem com força para manter o emprego e a atividade econômica, o que seria uma guinada de 180 graus em seu papel e forma de atuação.
Alguns aplaudem essa mudança radical, dizendo que o mundo se livrou de BCs preocupados só com inflação dentro do pressuposto de que isso poderia levar a maior crescimento a médio e longo prazo. Outros denunciam a mudança como caminho ao desastre, prevendo inflações ou hiperinflações destrutivas.
Minha visão é bastante diferente dessas abordagens. De fato, os BCs reagem, hoje, de forma diferente das últimas décadas. Mas a situação também é muito diversa e demanda ações diferentes. A questão é saber se isso muda o papel e a missão dos BCs. Eu acho que não.
Os BCs, em situação normal, têm por fim manter o poder aquisitivo da moeda dentro da visão de que essa é a maior contribuição que podem dar ao crescimento e à melhora na vida da população. Como as condições econômicas hoje não são normais e os canais de execução das políticas do BC estão emperrados, Fed e BCE atuam para restaurar o bom funcionamento do sistema. Isso não é novo, apesar de não ser usual, como a situação econômica não é usual.
Um exemplo pode deixar as coisas mais claras. Um médico especializado em circulação tem pacientes com pressão alta. Ele está sempre procurando baixar a pressão ou controlá-la, mantê-la na meta recomendada. Se um paciente sofre parada cardíaca, o médico age para restaurar a circulação e elevar a pressão. Mudou o papel do médico? Não é mais o mesmo médico? Não, ele ainda é o mesmo, só está reagindo a um momento anormal. É a mesma coisa com os bancos centrais, hoje procurando reavivar o pulso da economia e a circulação dos recursos.
Mas, se a pressão voltar a subir e a saúde for restabelecida, seria um erro grave o médico insistir em continuar elevando a pressão.
Entrevista:O Estado inteligente
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