FOLHA DE SP - 23/09
Sucessão no comando da China transcorre sob manto de segredo contraditório com importância da economia asiática no capitalismo global
Ao longo das próximas semanas, as duas maiores economias mundiais concluirão seus processos sucessórios. A coincidência serve para contrastar a enorme diferença entre as práticas políticas da China e dos Estados Unidos.
Nos EUA, os dois candidatos -Barack Obama, democrata em busca da reeleição, e Mitt Romney, o desafiante republicano- e seus aliados se digladiam e se expõem diariamente na mídia.
Na China, o provável líder máximo, Xi Jinping, foi misteriosamente escolhido há pelo menos dois anos. Mesmo assim, pouco se sabe dele. O Partido Comunista nem mesmo fixou a data de seu Congresso para ratificá-lo -será em alguma ocasião entre meados de outubro e o fim do ano.
A opacidade da ditadura chinesa ficou demonstrada uma vez mais no início do mês, quando Xi cancelou compromissos com delegações estrangeiras e desapareceu da cena pública por duas semanas. Durante o sumiço, não houve qualquer explicação oficial, apesar dos rumores de que ele poderia até estar morto (não estava).
Filho de um líder histórico do partido, Xi, 59, é o atual vice-presidente. De sua biografia sabe-se pouco além dos cargos que ocupou e do fato de que é fã de futebol. Não se conhece declaração sua sobre reforma política, bandeira que o atual premiê, Wen Jiabao, carregou por dez anos -sem avanço significativo.
Esse desconhecimento sobre a pessoa de Xi decorre também do poder exercido de forma colegiada. Já não há mais lideranças proeminentes, como Mao Tse-tung e Deng Xiaoping. Os dirigentes comunistas não pertencem mais à geração que tomou Pequim pelas armas em 1949; hoje, são produtos da burocracia partidário-estatal.
Nesse modelo, a instância máxima da hierarquia chinesa é o Comitê Permanente. Sua composição é a informação mais relevante para compreender a política no país. De seus nove membros, apenas dois permanecerão após a reforma: o próprio Xi e o provável futuro premiê, Li Keqiang.
A tendência é que sejam escolhidos dirigentes de baixo perfil, como Xi e o atual líder máximo, Hu Jintao. Outro exemplo é o discreto Li, que ascendeu na burocracia do partido com fama de conciliador.
Nos últimos anos, o único dirigente chinês que buscou ativamente projetar-se foi Bo Xilai. O estilo personalista certamente teve peso em sua inusitada debacle -em março, Bo foi afastado do cargo que ocupava no partido, e sua mulher, Gu Kailai, acabou condenada pelo assassinato de um empresário britânico.
De concreto, sabe-se que a nova direção não alterará as duas principais diretrizes: monopólio do Partido Comunista e foco na manutenção do crescimento econômico.
No primeiro caso, não há sinais de que a China relaxará o garrote político. Basta lembrar que é o único país do mundo que mantém um Nobel da Paz, o dissidente Liu Xiaobo, atrás das grades.
Na esfera econômica, o objetivo será, no curto prazo, reanimar uma economia que se desacelera mais depressa do que o previsto. Embora o crescimento de 7,6% no segundo trimestre esteja dentro da meta para este ano, os números decepcionantes no comércio exterior, entre outros dados, mostram que a tendência de esfriamento ainda não foi revertida.
A médio prazo, a nova direção chinesa precisará enfrentar reformas profundas, ademais previstas no último Plano Quinquenal (2011-15). Os desafios incluem estimular o aumento do consumo interno e ampliar a rede de proteção social da população, surpreendentemente tênue para um país nominalmente comunista.
Nesse cenário, cabe ao governo, aos centros de pesquisa e ao empresariado brasileiro estudar exaustivamente os prováveis rumos de seu maior parceiro comercial. É muito pouco levantar barreiras comerciais, e é por demais arriscado manter uma pauta de exportação excessivamente concentrada em soja e minério de ferro.
O Brasil não é o único país que precisa acompanhar a sucessão chinesa de perto. Dos Estados Unidos, que já venderam US$ 1,17 trilhão em títulos de seu Tesouro para Pequim, às dezenas de países africanos e latino-americanos financiados pela China, quase toda a economia mundial tem fios atrelados ao país asiático.
Trata-se ainda de uma potência militar em ascensão e cada vez mais assertiva, como demonstram as recentes crises por disputas territoriais com Filipinas, Vietnã e, agora, Japão.
A falta de transparência inquieta todos os parceiros. Com tanto em jogo, a cúpula chinesa se mantém avessa ao escrutínio e ao debate, agindo como uma confraria secreta que não presta contas a ninguém.
No mundo do capitalismo globalizado em que a China se torna protagonista, não deixa de ser uma contradição cujo desfecho será crucial acompanhar.