Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 28, 2012

Pontos divergentes - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 28/09


Lavagem de dinheiro e formação de quadrilha são os dois pontos que dominaram a atenção dos juízes do Supremo Tribunal Federal neste 29º dia de julgamento do processo do mensalão, pontos que podem ser decisivos na definição final sobre o núcleo político petista, acusado de comandar o esquema criminoso, especialmente o ex-ministro José Dirceu, definido como o "chefe da quadrilha" pelo Ministério Público.

As ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, por enquanto em minoria nesse item, abriram divergência com o relator e o revisor afirmando que não houve formação de quadrilha no esquema do mensalão. Ambas alegaram em seus votos que a formação de quadrilha ou bando se define pela associação permanente para a prática de crimes. Para Rosa Weber , o que caracteriza esse tipo de crime "não é a perturbação da paz pública em si", mas a decisão "de sobreviver à base dos produtos auferidos em ações criminosas indistintas".

Acompanhando a divergência, a ministra Cármen Lúcia disse que o que caracteriza o crime de quadrilha é a prática de "crimes em geral, o que não vislumbrei". Para ela, a acusação do Ministério Público de que o esquema previa "pequenas quadrilhas com outras quadrilhas" não convence, e o que houve foi "reunião de pessoas para práticas criminosas, mas para atender a vantagens especificas de alguns réus, e não para atingir a paz social".

Por essa definição do que seja "formação de quadrilha", é de se supor que as duas ministras verão da mesma forma a acusação contra o núcleo político do PT nesse ponto específico. Esse crime, porém, tem penas pequenas, de 1 a 3 anos, e sua inexistência eventual não deve influenciar muito na condenação final dos réus considerados culpados.

Mas, se for vencedora, essa tese fará perder força a acusação inicial da Procuradoria-Geral da República, que define José Dirceu como o "chefe da quadrilha", embora nada impeça que os membros do núcleo político sejam considerados responsáveis pela corrupção ativa dos parlamentares, em regime de coautoria, e não de quadrilha.

Haverá também a redução da carga política pejorativa que a expressão "chefe da quadrilha" faz o ex-ministro José Dirceu carregar.

A outra causa de controvérsias no Supremo tem sido a lavagem de dinheiro, embora o único caso em que houve placar apertado tenha sido o do deputado federal João Paulo Cunha, condenado por 6 a 5.

Nos demais resultados, não houve um mínimo de quatro votos absolutórios até o momento para abrir caminho a embargos infringentes que, em tese, podem provocar um novo julgamento pelo próprio STF.

A discussão entre os ministros é sobre se a condenação por corrupção passiva já engloba o ato de esconder o dinheiro, perfazendo um crime só, ou se a tentativa de ocultar a propina caracteriza uma lavagem de dinheiro.

Alguns casos foram fáceis de definir, quando o réu enviou alguém em seu lugar para receber o montante ou se utilizou mecanismos financeiros para escamotear esse dinheiro, como nos casos do uso das corretoras Bonus Banval ou Garanhuns, em que houve concordância sobre a caracterização de lavagem de dinheiro. Mas houve questionamentos também sobre se determinado réu tinha noção de que a origem daquele dinheiro era ilegal, fato básico para haver a intenção de lavar o dinheiro.

Embora pareça improvável que qualquer um dos envolvidos num esquema dessa dimensão não soubesse que estava envolvido em uma tramoia, houve ministros que, em dúvida, votaram a favor da absolvição do réu.

Mesmo que atitudes como essas irritem o relator Joaquim Barbosa, são elas que definem a independência do Supremo. Mesmo as discussões mais evitáveis estão servindo para demonstrar que ali naquele colegiado cada cabeça é uma sentença, e todos têm a liberdade de discordar. Essas divergências de entendimento sobre a caracterização de crimes fazem com que os resultados de 10 a 0 ou 8 a 2 na condenação dos réus, como tem acontecido com frequência durante este julgamento, sejam fruto de um consenso nascido da jurisprudência da Corte, o que faz com que as críticas eventuais percam a força diante de maioria tão acachapante.

Esses placares tão definitivos servem também para evitar embargos infringentes, que poderiam retardar a execução das eventuais penas aos réus.

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