O Globo - 03/07/2012 |
O filósofo Charles de Montesquieu costumava dizer: "Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda a parte." Como o escritor francês não se referiu especificamente ao Brasil, pode-se supor que em muitos lugares, há mais de dois séculos, as leis nem sempre "pegam". A legislação da moda é a chamada Lei de Acesso à Informação. Na teoria, basta um pedido de qualquer interessado para que os órgãos públicos informem, no máximo em trinta dias, tudo o que não estiver relacionado à segurança do Estado, ao segredo de Justiça ou à privacidade do cidadão. O que não puder ser divulgado deverá ser tachado de reservado, secreto ou ultrassecreto. Tudo muito simples, tal como acontece há tempos em mais de noventa países. Na prática, porém, o acesso à informação ainda é uma odisseia. No primeiro dia de vigência da lei, o Contas Abertas - entidade privada que fomenta a transparência governamental - enviou cem pedidos a diversos órgãos das administrações públicas federal, estaduais e municipais, incluindo as empresas estatais. A conclusão é que dezenas de respostas foram evasivas com desculpas esfarrapadas. Apesar do prazo de seis meses transcorrido entre a assinatura da lei e a sua vigência efetiva - justamente para que os órgãos se preparassem -, a Câmara dos Deputados não conseguiu disponibilizar as notas fiscais das despesas efetuadas em janeiro deste ano pelos deputados federais, com a "Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar". Em princípio, alegou que a informação já se encontrava no portal, o que não era verdade. Ali apareciam, apenas, os nomes dos estabelecimentos e os valores pagos, mas não os documentos fiscais. Após a renovação do pedido, surgiu a promessa de que o primeiro lote de notas fiscais digitalizadas estará disponível a partir de 23 de julho. Quem viver verá. A curiosidade será descobrir por que os parlamentares gastam tanto com "consultorias", quando a Casa já disponibiliza ampla infraestrutura de pessoal e de serviços. A Petrobras, por sua vez, negou ao Contas Abertas o fornecimento de um conjunto sistematizado de informações econômico-financeiras, o chamado Programa de Dispêndios Globais, alegando que a divulgação iria "comprometer a competitividade, a governança corporativa e/ou os interesses dos acionistas minoritários". Curiosamente, todas as demais estatais consultadas, como Banco do Brasil, BNDES, Caixa, Eletrobras, Casa da Moeda, Infraero e Correios, forneceram os dados sem qualquer objeção. O próprio Ministério do Planejamento enviou à ONG as informações que a estatal negou, comprovando que o próprio governo ainda não se entende quanto ao que deve ou não ser aberto à população. Em relação à divulgação da remuneração dos funcionários públicos, a polêmica permanece. A maioria dos estados e das capitais estaduais sequer respondeu à indagação sobre quanto ganham os seus burocratas. Em Brasília, no mesmo dia em que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) publicou os ganhos dos seus servidores, a Justiça do Distrito Federal mandou tirar da internet os contracheques de 190 mil empregados do governo local. O que os sindicatos ainda não perceberam é que, ao defenderem a suposta privacidade individual, estão contribuindo para manter ocultos os ganhos astronômicos de alguns privilegiados e as distorções entre as remunerações existentes nos três poderes. A simples divulgação desses dados será o início da correção desses absurdos. Afinal, um ascensorista do Senado não deveria ganhar mais do que um professor ou um médico. Por fim, o Supremo Tribunal Federal (STF) não forneceu, no prazo de 30 dias, informações sobre as viagens internacionais dos seus ministros, detalhando nomes, destinos, diárias pagas e justificativas. Alegou a Corte que a Lei de Acesso à Informação será objeto de regulamentação pela "Comissão de Regimento". Desta forma, se o próprio STF não está cumprindo os prazos da lei, quem o fará? O poeta italiano Dante Alighieri já dizia: "As leis existem, mas quem as aplica?" Apesar da boa intenção de alguns órgãos governamentais, notadamente da Controladoria-Geral da União, vai demorar para que todos entendam que o Estado é somente o guardião da informação pública. Assim, teremos que continuar lutando para que o acesso seja a regra e o sigilo, a exceção. Tal como dizia Montesquieu, o país deve ser valorizado pelas leis que pratica e não pelas que são editadas e ficam restritas às prateleiras dos advogados. GIL CASTELLO BRANCO é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, julho 03, 2012
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