O Estado de S. Paulo 16 de julho de 2012
Em 17 de março de 2011, em entrevista ao jornal Valor Econômico, a presidente Dilma Rousseff sustentou que a economia brasileira tinha todas as condições de chegar ao final daquele ano com crescimento entre 4,5% e 5% e inflação contida na meta de 4,5%. Quando a jornalista Claudia Safatle observou que, fora do governo, se esperava resultado bem diferente, para pior nos dois quesitos, Dilma respondeu com uma frase de Delfim Netto: "Não existe uma lei divina que diz que a taxa de crescimento será de 3% e que a inflação será de 6%. Eu acho que isso é adivinhação".
Curiosa a crítica da presidente. Aquele era um dos chamados "cenários de mercado", construídos com base em teoria econômica, claro, não em leis naturais. Ao desclassificar essa projeção – "é adivinhação" –, Dilma, uma economista, necessariamente desclassificou seu próprio cenário, igualmente baseado em doutrina econômica.
Dirão: mas são teorias diferentes. Certo, mas não foi essa a crítica de Dilma. Ela desconsiderou a prática da previsão econômica. Como não há leis divinas (ou naturais) regulando a atividade econômica, uma ação dos homens, sempre mutável, não há como antecipar os fatos, tal a argumentação.
Faz sentido. É o contrário do que acontece na natureza. Aqui, a ciência consegue formular as leis que regem os fenômenos, sempre da mesma maneira. E até revela a realidade, como mais uma vez se demonstrou com o encontro do "bóson de Higgs". Cinquenta anos atrás, o cientista Peter Higgs chegou à conclusão de que essa partícula elementar existia e deveria aparecer em tal circunstância. Mas não havia aparelhos – nem sequer computadores! – para encontrar a coisa. Agora acharam, ali mesmo onde deveria estar.
Já a economista e presidente Dilma foi menos feliz. Ao rejeitar a tese de que as variáveis econômicas de 2011 já estavam praticamente dadas e que seria possível crescer mais, com menos inflação, afirmou: "Depende da gente... vamos mostrar".
Logo, não se tratava exatamente de uma antecipação científica, mas de um ato de fé. "Tenho certeza de que o Brasil vai crescer entre 4,5% e 5% neste ano (de 2011)", declarou em outro momento da entrevista.
Resumindo: a presidente recusou, então, as previsões "supostamente" teóricas e colocou em seu lugar sua determinação e sua confiança na capacidade do governo. E dela.
Como sabem os leitores, Dilma estava errada e o mercado, certo. O Brasil cresceu apenas 2,7%, com inflação de 6,5%, no limite do teto da banda, e ainda assim um resultado, digamos, martelado.
Seria então aquele pensamento econômico, o crítico, tão firme quanto a física de Higgs? Certamente não. Todo mundo tem na cabeça uma fileira de erros de análises e previsões. Teria sido então pura sorte? Adivinhação? Também não.
A ciência econômica trata de comportamentos humanos, pessoas tomando a decisão de colocar o dinheiro na poupança ou torrar no shopping. Dá para saber muita coisa olhando para o passado e examinando como as pessoas se comportaram em tal e qual situação. Sim, as situações nunca se repetem igualzinho, mas são ao menos semelhantes.
Vai daí... Assim como a psicanálise avançou tanto no conhecimento da alma humana e, pois, no entendimento do comportamento, também a economia sabe muito sobre as ações dos homens na produção e no consumo.
Ou seja, não é adivinhação. Tem arte, mas tem muita ciência – e muita matemática – na elaboração das análises econômicas. E, sim, há boas e más análises, mais ou menos competentes.
Há também divergências entre as correntes de pensamento, conforme se parte dessa ou daquela premissa. Dilma, por exemplo, se filia a uma corrente para a qual o governo (o Estado) precisa intervir pesadamente na atividade econômica para corrigir ou evitar os erros e injustiças do mercado.
E, se for assim, não é apenas que a presidente estava errada em suas previsões. Ela pode estar operando com o pensamento equivocado. Já errou feio duas vezes: este ano vai pelo mesmo caminho de 2011. O governo acreditava num crescimento de até 5%, recuou para 4%, o Banco Central já reduziu mais ainda, e agora a presidente já diz que a expansão do PIB não é importante. Ocorre que pela adivinhação ou pela lei divina, o PIB será ainda menor do que no ano passado.Uma interpretação equivocada da realidade leva necessariamente à política econômica pouco efetiva.
Muitos analistas têm apontado restrições para que o Brasil cresça aceleradamente e com inflação baixa. Dizem que só a eliminação dessas restrições – reunidas no tal custo Brasil – permitiria um novo ciclo de crescimento, a partir, essencialmente, de investimentos privados. Ou seja, trata-se de abrir espaço para as empresas privadas.
Já Dilma tem dito e tentado pelo outro lado. Acha que é possível ao governo colocar as regras, os estímulos e o dinheiro necessários para decolar o País.
Até aqui, porém, temos a combinação de baixo crescimento e inflação ainda alta, isso na comparação com o mundo emergente. Além disso, há um problema operacional. A presidente acerta, na teoria, quando diz que o governo vai segurar o gasto com custeio e expandir investimento (como dizia na entrevista do Valor).
Mas, na prática, em 2011, o gasto do Tesouro com custeio aumentou 13%. Investimentos, 0,8%. Neste ano, até maio, os investimentos cresceram mais depressa, mas a partir de base menor e ainda longe da meta do governo. E as despesas de custeio subiram mais de 15%.
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