Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 23, 2012

Do pescoço para baixo - RUY CASTRO


FOLHA DE SP - 23/07

RIO DE JANEIRO - Na quinta-feira, ativistas ucranianas tiraram a roupa numa praça de Moscou, protestando contra o preço do gás que a Rússia vende à Ucrânia. No mesmo dia, em Oviedo, Espanha, oito bombeiros, usando apenas capacete e botas, protestaram contra as medidas de austeridade impostas pelo governo. Por via das dúvidas, mostraram só os bumbuns -o nu frontal talvez diminuísse a solenidade do ato.

Em 2007, nos Alpes, 600 suíços tiraram a roupa para alertar contra o derretimento de uma geleira. Em 2008, argentinas vegetarianas se despiram contra o bife de chorizo. Em 2009, alemãs fizeram o mesmo contra a matança das focas. Em 2011, no Piauí, uma professora subiu num trio elétrico e radicalizou: ficou pelada contra o capitalismo.

Todos os dias, em alguma parte, alguém fica nu em protesto contra alguma coisa. A causa é sempre meritória: protesta-se contra a energia nuclear, o aquecimento, o desmatamento, a inflação, a fome, os políticos, ou pede-se a retirada de tropas americanas ou de invasores de territórios indígenas. Previamente informados, os fotógrafos acorrem e, horas depois, as imagens estão em todos os jornais, TVs e on-lines. Mas, como mostrar as partes ficou carne de vaca e ninguém vai nem sequer preso por isso, é duvidoso que o gesto ainda converta as grandes massas para a causa em questão.

Em 2010, houve uma linda manifestação: a da mulher que, com o rosto coberto por uma burca, desfilou seu corpo nu, com grande classe e dignidade, por uma praça de Barcelona, em protesto contra a execução por apedrejamento da iraniana Sakineh, acusada de adultério. Não era erótico nem político, só bonito.

A confirmar a frase de Nelson Rodrigues, segundo a qual "só o rosto é imoral -do pescoço para baixo, podíamos andar nus".

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